terça-feira, 9 de março de 2010

10. Desacuendar o Ocó


Meu celular toca me avisando que está na hora. Pego meu AZT e tomo. No começo eu detestava, mas agora não faz mais diferença.
            —O que é isso? — Ele pergunta, deitado ao meu lado na cama enquanto engulo os comprimidos.
            —Remédio para AIDS. — Eu respondo num sussurro embaralhado.
            —Perdão, não entendi. — Ele diz sorrindo.
            —Remédio para AIDS! — Eu digo em voz alta e clara.
            Ele se levanta da cama em um pulo apressado e me encara. Consigo ver o desprezo no olhar dele.
            —Você não me falou que tem AIDS antes de me trazer para sua cama ontem à noite!
            —Que diferença isso faz? Nós transamos de camisinha! — Eu digo numa súplica chorosa.
            —Você deveria ter me falado, porra! — Ele berra enquanto se veste com pressa.
            —Mas você não perguntou! — Retruco em desespero.
            —E como eu ia saber? Você acha que eu saio perguntando pra cada cara que eu conheço quais são as DST dele?
            —Não, mas...
            —Mas nada, caralho, eu confiei em você, eu fui pra cama com você na primeira noite e logo na manhã seguinte você me diz que tem uma doença terminal!
            Ele sai do quarto e bate a porta atrás dele. Eu levanto e vou atrás, ainda nu.
            —Espera! Vamos conversar! — Eu grito correndo para alcançá-lo antes que ele chegue à porta.
            —Não temos o que conversar, eu vou dar o fora daqui.
            —Eu não falei nada para não ser rejeitado.
            —Eu não iria te rejeitar por isso, porra, eu sou gay! Eu sei o que é sofrer preconceito, caralho. Mas você mentiu pra mim!
            —Eu não menti! Eu omiti!
            —Não importa, você não foi honesto comigo e eu detesto gente desonesta.
            Ele encosta a mão na maçaneta, eu corro e o seguro contra a porta, ele se vira e me empurra, me socando logo em seguida. Meu nariz sangra e eu vôo pra cima dele.
            —Eu — soco no queixo — não — soco no estômago — sou — chute nas costelas — sua putinha pra você comer e jogar fora assim!
            Vejo o corpo jogado no chão, as roupas empapadas de sangue e de face, antes tão linda, agora desconfigurada. O arrasto para fora do meu apartamento e deixo aquele cadáver jogado nas escadarias do prédio.

Nota: Desacuendar o Ocó significa, em gíria homossexual, se desfazer de um homem. Não me perguntem como eu sei disso.

terça-feira, 2 de março de 2010

9. Casa de Massagem


Olho para aquele envelope magro de dinheiro na mesa, olho para a cara dele, sentado a minha frente e rio do ridículo daquela situação.
            —Só isso? — Eu pergunto recontando o dinheiro pela terceira vez sem acreditar naquela merreca.
            —Só. — Ele diz lendo o jornal sem sequer levantar os olhos.
            —Como você espera que eu sustente dois filhos com essa merda?
            Ele me olha e dá um sorriso cínico.
            —Não é problema meu. — Ele responde. — Você é quem veio me pedir emprego, sua puta, você é quem quis se prostituir sabendo que você custa o que você vale.
            Saio da sala a passos largos e mergulho no neon do clube reparando nas outras garotas. Ele tinha razão, eu não valho muito mais do que recebi; é o pior clube da Augusta e devo ser a mais velha daqui. Um cliente entra e se senta no bar. É a minha deixa.
            —Me paga um drinque, gato? — Eu digo passando a mão na coxa dele.
            —Desculpa, mas quantos anos você tem? — Ele me pergunta logo de cara.
            —Trinta e quatro. — Eu digo tirando quase quatro anos.
            —Você é muito velha.
            —Broxa. — Eu resmungo me levantando, mas ele ouve.
            —Como é, sua vadia? — Ele grita e me puxa pelo cabelo para perto dele. — Do que você me chamou?
            Algumas pessoas são sensíveis demais. O bafo dele está impregnado de whisky e cerveja, até eu poderia derrubá-lo de tão bêbado. As outras meninas fecham um círculo a nossa volta, prontas para me defender caso eu precise.
            Não, eu não preciso. Vejo uma garrafa vazia de cerveja no balcão que não hesito em quebrar na cabeça dele. Quando ele finalmente me solta, aponto-lhe o vidro quebrado.
—Eu disse bro-xa! Seu escroto! Não se mexe assim comigo.
O sangue escorre cobrindo o rosto dele enquanto o covarde filho-da-puta corre pra fora do clube.
O dono sai de sua sala.
—Você ficou louca, sua cachorra? — Vejo fúria e medo misturados nos olhos dele. —Agora a polícia vai baixar aqui e eu vou em cana, puta barata!
O som das sirenes se aproxima enquanto eu vejo o medo crescendo ainda mais nos olhos dele.
—Não é problema meu. — Eu digo indo embora.