terça-feira, 25 de maio de 2010

20. A Vadia!


Entro em casa e lá está ela. Sentada na poltrona como um Dom Corleone com peitos e sem bigode numa sala iluminada apenas por um abajur.
            —Onde está seu charuto, Dom Vito? — Eu brinco. Ela continua séria, imponente.
            —Quem é ela? — Ela diz numa voz mórbida.
            Olho em volta procurando uma terceira pessoa, mas não há ninguém além de nós dois. O silêncio machuca meus ouvidos.
            —Ela quem? — Eu pergunto quebrando o silêncio.
            —A vadia! A outra! A sua Ana Bolena! — Ela grita se levantando.
            —Puta que pariu! — Eu digo — Eu não acredito que você acha isso. O que te faz pensar que eu tenho um caso?
            —Você me trouxe flores ontem, bombons anteontem e sapatos semana passada. A Marie Claire diz que presentes demais é sinal de affair.
            —Eu não posso simplesmente querer agradar minha esposa?
            —Você só começou a fazer isso mês passado em cinco anos de casados! — Ela levanta ainda mais a voz.
            —Você vai acordar as crianças gritando assim.
            —Desculpa. — Ela diz e respira fundo. — Mas me diz, por que tanto presente? Está se sentindo culpado?
            —Não! Eu ganhei aquela promoção mês passado e achei que seria legal te fazer uns agrados, a gente nunca teve grana sobrando pra caprichos nossos. Não acredito que você desconfiou de mim desse jeito. — Agora quem está puto sou eu.
            Ela pondera por alguns segundos.
            —E aquela mensagem no seu celular de alguma mulher pedindo pra buscá-la na rodoviária?
            —Minha irmã? Ela veio de ônibus pro Rio e não queria pegar táxi até o hotel.
            Ela fica estática. Seus olhos se enchem de lágrimas.
            —Desculpa, meu amor! — Ela diz já chorando.
            —Ta, eu vou dar uma volta de carro pra dar uma arejada.
            Saio sem dizer mais nada. Ao entrar no elevador, saco meu celular e disco o número de sempre.
            —Oi, briguei com ela, me encontra naquele botequim de sempre no Leblon. Preciso conversar.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

19. Mentira Sincera


—Bicho, eles estavam certos! — Eu digo.
            —Eles quem? — Ele pergunta com sorriso como se quisesse dizer que eu sou louco.
            —Jack Kerouac, Allan Ginsberg, Charles Bukowski, Irvine Welsh… Todos eles, cara!
            —Mas eles estão certos em relação a quê?
            Cheiro mais uma linha de coca que está na mesa de vidro.
            —Porra, velho, todos eles escreveram sobre como o mundo, a sociedade e as pessoas estão fodidas. Dizem que eu estou no fundo do poço, mas quando olho em volta, percebo que todos estão infinitamente mais fodidos do que eu. — Paro e trago meu cigarro lentamente.
            —Prossiga.
            —Cara, eles mostram as pessoas como elas realmente são, mostram a natureza humana nua, sem as máscaras de hipocrisia.
            —Você tem razão! — Ele grita entusiasmado, percebendo do que estou falando. — Nos livros desses caras, os personagens se drogam, brigam, fazem sexo sem proteção, bebem, fumam, traem e roubam!
            —A marginalidade é a mentira mais sincera que tem.
            —E nós fazemos parte desse mundo! Eu e você! — Ele diz se levantando do sofá de couro preto.
            Me sento e trago mais do meu cigarro.
            —Somos os heróis dos maiores autores que já passaram pela terra, não usamos máscaras.
            —Podemos tomar conta do mundo, bicho! — Ele diz acabando com a última linha de coca na mesa. — Por que demoramos tanto tempo para perceber isso?
            —Não tenho idéia. — Eu respondo. Levanto e pego uma garrafa de Jack Daniel’s na prateleira de bebidas.
            —Então vamos sair daqui! — Ele grita depois de tomar o copo de whiskey com um gole.
            —Sair e fazer o quê? — Sorvo um gole do whiskey e me sento para admirar o lustre de cristal que ilumina essa sala luxuosa.
            —Vamos enlouquecer, porra! — Ele joga o copo contra a parede, destruindo-o em mil pedaços minúsculos, mas eu não consigo me importar. — Vamos dar a cara pro mundo bater!
            —Não sei, cara... isso me parece maluco demais. Me parece o tipo de coisa da qual não sairemos vivos.
            —Melhor morrer assim do que viver na incerteza por não ter tentado.
            Viro o resto do whiskey e também jogo o copo contra a parede. Me levanto.
            —OK! Vamos! — Eu digo mais decidido do que nunca.
            Abro a porta e saio primeiro, um enfermeiro me vê.
            —Aonde você vai? — Ele pergunta com um sorriso no olhar.
            —Nós vamos tomar o mundo! — Eu digo sorrindo.
            —Não, não vai. — Ele diz e me empurra de volta para dentro da minha cela acolchoada com cheiro de urina. Estou sozinho.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

18. Arrependo-me


Eu queria ter uma máquina do tempo
Eu voltaria uns anos e veria velhos amigos
Eu não teria os abandonado como fiz
Não teria dito que ligaria quando não ligo

Eu teria me alertado sobre o futuro
Teria me dito com quem falar e andar
Pediria desculpas para a minha mãe
Diria que a má fase iria logo passar

Eu voltaria no tempo e veria velhos professores
A maioria eu mandaria se foder
Mas alguns têm minha eterna gratidão
São aqueles que me fizeram crescer

Eu voltaria para assombrar o meu pai
Eu o acusaria de ser um péssimo exemplo paterno
Eu o odiaria por ter me deixado
E mostraria para ele o meu inferno

Eu teria me libertado da Igreja antes
Teria me tornado ateu mais cedo
Eu questionaria mais a verdade e a essência
Eu teria muito mais medos

Eu teria chorado por coisas mais banais
Escreveria mais poemas
Contaria mais histórias
Com os mais diversos temas

Eu partiria para uma aventura
Faria uma verdadeira epopéia
Não levaria lenço ou documento
Esconder-me-ia em vilas européias

Eu queria ter uma máquina do tempo
Eu voltaria no tempo e faria tudo igual
Eu repetiria cada segundo da minha vida
Sem me importar se isso é bom ou mau.

terça-feira, 4 de maio de 2010

17. Nietzsche

Taí, resolvi inovar aqui e ao invés de um conto, resolvi colocar esse curta que eu fiz pra aula de filosofia com uns bobões aí do colégio. O som tá um lixo, eu sugiro que comecem com o volume alto e vão mudando conforme sua necessidade. Esqueçam as atuações, locações e figurino. O importante é o conteúdo e a edição. Divirtam-se.