terça-feira, 27 de abril de 2010

16. Rupinol


—E aí, vamos ou não? — Ela me pergunta como se não fosse importante. Talvez pra ela não seja, mas pra mim é.
            —Calma, to pensando ainda. — Eu retruco rispidamente.
            Ela olha em volta, me olha com um sorriso sedutor e me mostra seu mamilo esquerdo rapidamente.
            —Ok, vamos. — Não é assim que eu imaginava a minha primeira vez, mas eu to com pressa pra perder a virgindade.
            Andamos até a minha casa, me certifico de que não há ninguém lá e subimos para o meu quarto.
            —Que banheira grande você tem aqui. — Ela diz parando em frente ao banheiro do corredor.
            —É dos meus pais, a gente pode usar se quiser.
            —Veremos depois então. — Ela diz sorrindo e seguindo para o quarto.
            Entramos no quarto e ela me joga na cama com força e sobe em mim, me beijando violentamente.
            —Calma. — Ela para e se levanta. — Falta um drink pra você relaxar.
            Ela pega sua mochila de tira uma garrafa de Jack Daniel’s de dentro dela.
            —Seus pais não vão aparecer, né? — Ela pergunta enquanto eu bebo.
            —Não, eles estão viajando e só voltam semana que vem. Você não vai beber? — Eu pergunto ao vê-la guardando a garrafa.
            —Não, to tomando remédio e não posso tomar álcool.

***

            Frio. Muito frio.
            Abro os olhos com dificuldade, a luz branca e forte os perfura como agulhas prateadas. Milhões delas.
            Não sinto nada abaixo do pescoço. Estou na banheira dos meus pais, uma banheira entupida de gelo. Gelo e eu. Levanto-me com dificuldade e consigo sair da banheira, mas uma dor excrucitante atravessa meu tronco e me faz cair no chão molhado com um grito. Ainda estou de jeans, mas sem camisa, há uma cicatriz de uns 20 centímetros nas minhas costelas.
            Consigo me arrastar até o meu quarto e puxo o cobertor da cama para o chão. Uma folha cai junto e há algo escrito.
            “Bom dia, você foi drogado e um dos seus rins foi levado. Por sorte, você só precisa de um para sobreviver. Obrigado, gatinho.”
            Filha-da-puta.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

15. Valores


Ela fica dizendo bobagens sobre meu trabalho, falando sobre a profundidade das minhas músicas, citando trechos, cantando melodias e acordes.
            —Você é um poeta, me inspirou a escrever minhas próprias músicas. — Ela diz entre um gole e outro de gim com tônica.
            Não acredito que estou pagando mais de 200 reais nesse bar só pra a ouvir falar impropérios sobre mim.
            —Obrigado, mas eu não sou um poeta, só um cara que gosta de entreter as pessoas com a minha arte, com os meus sentimentos. — Eu respondo olhando pro vazio, deixando claro o meu desinteresse.
            Ela ignora a falta de atenção e coloca a mão na minha coxa.
            Bosta, penso.
            —Não se subestime. Você é um poeta. Quer um pouco de pó? — Ela diz a última frase com tanta naturalidade que eu, por um segundo, penso que se trata de pó-de-arroz.
            Malditas sejam as tietes. Eu realmente achei que essa fosse diferente quando a chamei pra sair ontem depois do show. Eu realmente me dispus a gastar uma grana com ela ao invés de simplesmente leva-la pra cama por pensar que poderia ser algo sério. Doce ilusão.
            —Não, obrigado. Eu parei.
            —É, eu vi na entrevista da Rolling Stone, mas achei que você só estava bancando o bom moço.
            A mão dela sobe pela minha perna e encontra a origem dos meus futuros filhos. Ela o massageia por baixo do balcão e eu não consigo esconder meu tesão.
            —A gente faz o seguinte; — Ela começa. — vamos ao banheiro e usamos os sentidos, eu cheiro e você me toca, o que acha? — Ela diz isso como um último suspiro de uma groupie desesperada.
            —Parece ótimo. — Eu minto. — Vai na frente que eu te sigo em dois minutos.
            Ela sorri e sai com pressa. Deixo o dinheiro no balcão, chamo o barman e digo:
            —Olha, tem uma moça no banheiro, quando ela voltar, dá esses 50 reais pra ela pegar um táxi.
            Saio do bar e dou de cara com uma puta numa esquina.
            —Ta afim de diversão? — Ela pergunta seguindo o roteiro.
            —Quando é?
            —100 reais.
            —É... Bem mais barato.
            Abro a porta do carro e a deixo entrar.

terça-feira, 13 de abril de 2010

14. O Cumprimento do Adeus


Eu me levanto jogando a bituca fora e vou embora a deixando lá parada, sei que ela está me olhando, sinto o olhar na minha nuca, mas não olho para trás. Jamie Cullum começa a cantar na minha cabeça por algum motivo obscuro e ouço de longe o meu nome.
            Não resisto e olho para trás, ela corre em minha direção e finalmente me abraça com um beijo. Quando finalmente nos soltamos eu olho em volta e ele está lá, do outro lado da rua, me fuzilando com o olhar.
Meu rival e amigo também corre em minha direção, mas não creio que os motivos sejam tão nobres quanto os da garota que acabo de beijar. Um soco e eu caio no chão atordoado. A luz do sol perfura meu olho, mas consigo ver o bico do pé dele voando para as minhas costelas. Um, dois, três, quatro, cinco chutes. Dói pra caralho.
Consigo me levantar e sou recebido de volta com uma cotovelada na têmpora, o filho-da-puta é incrivelmente maior que eu, na confusão eu não consigo ver para onde ela foi.
Sinto o sangue quente na minha boca, mas reúno forças pra contra-atacar e enfio um gancho de direita no queixo do infeliz que cambaleia para trás e corre para me dar uma cabeçada, me desvio no último segundo e coloco meu pé na frente que o faz cair de cabeça no chão áspero da calçada.
—Não quero brigar! — Eu grito esvaziando meus pulmões.
—Então não deveria ter provocado! É tudo culpa sua, seu manipulador de merda! — Ele respondeu se levantando. Achei uma ofensa injusta, não manipulo merda, manipulo sentimentos... Mas qual é a diferença?
Ele me dá um último soco no estômago que faz eu me dobrar e sai correndo, eu acho que ele está chorando, não tenho evidências, mas o conheço bem demais. Quando recupero o ar, cuspo o sangue que ficou na minha boca e a lavo com um gole do whisky que estava na minha mochila.
Acendo um cigarro enquanto o observo correndo como o vento. Não sei porque, mas um sorriso brota no canto da minha boca, mas não dura muito.
—CUIDADO! — Eu berro, mas ele não me ouve, ou não quer me ouvir e continua correndo no mesmo ritmo.
Ele está a três passos do outro lado da rua quando um Grand Caravan em alta velocidade o acerta. Meu cigarro cai no chão com a garrafa de whisky que se quebra em mil pedaços.
Uma lágrima escorre pelo meu rosto enquanto observo, impotente, o corpo inanimado voando a vários metros do chão. O motorista freia o carro que tem seus pneus rasgados. O airbag é acionado e uma nuvem de fumaça fétida se levanta em volta da cena. O motorista se dirige ao corpo no chão e começa a chorar, desolado, ajoelhado no chão.
O motorista é o pai dele.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

13. Dia de Noite


A noite quente queima meu corpo como um fogo distante afastando meu sono e me fazendo pensar que Morfeu nunca pareceu tão longe. Acendo um cigarro e olho para a cidade que também parece insone, mas alheia ao meu sofrimento.
Um escritor que não escreve; um poeta sem sua musa. Tento enxergar dentro das janelas ainda acesas, mas tudo que vejo são luzes embaralhadas em meio ao inferno em que vivo. Lá se foi a lucidez.
Embriagado pela dor, acompanho o tango da fumaça do cigarro indo em direção ao infinito. Depois passo a seguir as cinzas caindo, voando e rindo da minha cara.
Os carros passam aos poucos, mas sem parar. Imagino que seus motoristas e acompanhantes estejam se divertindo. Bom para eles.
Por favor, Morfeu, por favor, me leva embora. Me deixe dormir, me deixe sonhar.
Me pergunto se os outros insones da noite paulistana estão sentindo o mesmo que eu. Provavelmente não.
Onde foi que tudo deu errado? Onde foi que eu deixei cair a alegria?
O cigarro não está nem na metade e parece que já se passaram anos desde que eu o acendi.
Sento numa cadeira e tiro meu velho canivete do bolso. Admiro os reflexos das luzes sem sono na lâmina por um instante. Faço a ponta da faca percorrer vagarosamente o meu peito nu. Por alguns segundos, ou assim parecem, penso em fincá-la de uma vez no meu coração e a pressiono com um pouco mais de força na região.
Não, não vou acabar assim como um fracassado. Pelo menos não agora.
Uma sirene de ambulância começa e quebra meu silêncio de depressão. Poderia ser eu dentro dela.
Apago o cigarro e me livro da bituca com certa repulsa.
O calor vai se intensificando e uma rajada de vento escaldante é jogada em cima de mim como quem diz: Você não é bem-vindo, vá embora.
Acredite, eu já tentei ir embora, vento.
O deus do sono me deu o bolo hoje. Disse que ia pegar um drink para mim, mas desapareceu. Deve ter encontrado outro par para dançar.
O rádio toca um rock dos anos 70, a década onde tudo era mais simples e nada era levado tão a sério. Sexo, drogas e rock ‘n’ roll.
Volto para meu quarto e me deito, mas é inútil. Não consigo parar de me revirar na cama. Tudo culpa dela, ela é quem roubou meu sono ao me fazer pensar nela constantemente.
Olho pela janela e lá está o clarão de um novo dia.
            A gente se vê depois, Morfeu.

12. Redenção


Ele entrou no bar meio cambaleando, mas me pareceu um pouco ensaiado ou forçado. Ou os dois. Ele está abraçado a uma loira que tem cara de puta da Augusta. Pobre garota... Ele olha em volta e me vê, ele vem em minha direção.
            —Oi! — Ele diz com aquele sorriso besta na cara enquanto se senta ao meu lado no balcão.
            —Esse lugar está ocupado. — Eu digo sem olhar pra ele.
            —Jura? Quem vai comer meus restos hoje?
            Fico horrorizada por um segundo. Por mais grosseiro que ele fosse, eu nunca o havia visto desse jeito. Quando finalmente olho diretamente pra ele, vejo o pó branco ainda preso nas narinas dele e suas pupilas dilatadas.
            —Ah! Essa aí é aquela que você tanto fala? — A Loira pergunta.
            —É, é ela. Agora que eu a encontrei, pode vazar.
            —Como é? — Ela me pareceu genuinamente ofendida.
            —Você me ouviu. Desinfeta. — Ele diz sem tirar os olhos de mim.
            —Ela seu estepe ou algo do gênero? — Eu pergunto enquanto a Loira sai do bar com passos largos e nariz empinado.
            —Algo do gênero.
            Barba por fazer, coca nas narinas, hálito impregnado por café, cigarros e álcool. Ele sempre teve uma inclinação para a autodestruição, mas eu sempre achei que fosse mais uma pose do que algo concreto.
            —Voltou a usar? — Eu pergunto depois dele pedir uma bebida e apontando para o nariz dele.
            Ele permanece em silêncio por um tempo, bebe um pouco de seu Campari recém chegado com um olhar distante até finalmente se virar para mim.
            —Você estava blefando quando disse que esse lugar estava guardado, não estava?
            —Responde a minha pergunta e eu respondo a sua. — Eu retruco sem pensar muito.
            —O pó me ajuda a escrever, extrai minha inspiração.
            —Não parece estar funcionando, não vejo um texto seu há meses.
            —Talvez eu só não tenha te mostrado, baby.
            —Talvez você só não tenha escrito nada. — Eu dou mais um gole no meu Martini. — E sim, eu estava blefando.
            —Cadê aquele cara por quem você me trocou?
            Um frio percorre minha espinha. Eu sabia que iríamos chegar nesse ponto.
            —Se bem me lembro, foi você quem me abandonou. — Eu digo com vontade de chorar. Mas não vou chorar. Não vou dar esse gostinho a ele.
            —Touché. — Ele diz com um sorriso triste na cara antes de beber mais.
            —Ele me largou.
            —Já tentou ser a que chuta ao invés de ser a chutada?
            —É por comentários como esse que não estamos juntos.
            —Somado a sua falta de senso de humor e algumas ironias do destino.
            Ser abandonada do nada por tentar fazer dele uma pessoa melhor não é uma ironia do destino! Eu me seguro pra não verbalizar isso. O erro foi todo dele.
            —Sabe, ele me largou porque eu nunca superei sua perda. — Merda, eu não deveria ter dito isso. Agora ele vai ficar se achando o máximo. Mas não, ele não começa a se gabar, ele simplesmente diz:
            —E eu parei de escrever por ter perdido minha musa.
            Tenho que admitir que o idiota ainda sabe me agradar. Fedendo a álcool e travado de cocaína, ele sabe me agradar.
            —Olha, eu estou escrevendo um livro. Como nos velhos tempos. Algumas garrafas de vinho, cigarros, luz de velas, minha velha máquina de escrever e meus antigos...
            —... Discos de vinil do BB King e Ray Charles. — Eu digo completando a frase dele sem querer. Como antigamente.
            —Você ainda me conhece bem.
            —Você não mudou nada, cafajeste. Sobre o que é o livro?
            —Eu sempre disse que nossa história daria um livro, não é? Mas ainda falta um final sem pontas soltas.
            —Serve esse final? — Eu digo enquanto me aproximo de seu rosto. Nós nos beijamos. Um som de vidro quebrando toma conta do lugar. O som é seguido por gritos. O corpo do meu escritor cai na minha frente depois de nosso último beijo. A bala o perfurou no coração. No coração que pertencia a mim. Olho para os lados, ainda atordoada e vejo aquele por quem troquei meu escritor com a arma na mão, sendo imobilizado pelos seguranças.
            O livro foi concluído numa tragédia.

11. Antes de Qualquer Coisa


Isso é São Paulo, sexo, drogas, puteiros, bares, heterossexuais, homossexuais, bissexuais, trissexuais, travestis, ativos, passivos, maconha, heroína, coca, Guaraná e Fanta. E pensar que as pessoas saem de São Paulo, mas não saem do Brasil, não existe cidade como aqui em nenhum outro lugar da América Latina. Além de, talvez, Tijuana.
            O iniciante olha em volta com um brilho admirado nos olhos, estamos na Augusta, na parte mais baixa da rua. Você sabe, perto do centro. Ele me olha e eu sorrio para ele enquanto trago meu cigarro e dou um gole na minha garrafa de Bourbon. Ele abre a carteira pela terceira ou quarta vez e sorri para mim afirmando a presença de dinheiro lá dentro.
            Uma loira se aproxima de nós e passa a mão na bunda da minha namorada que sorri para ela dizendo:
            —Belos peitos, são naturais?
            —Cem por cento. — Responde a puta de imediato. Conheço o roteiro. — Estão a fim de sexo a três? — O iniciante olha pra mim e eu empurro delicadamente aquela mulher da vida para perto dele. Eles viram as costas e se dirigem ao hotel vagabundo na esquina.
            Olho para minha namorada que dá uma risadinha maliciosa, nós dois sabemos que aquela puta era um travesti. Conto até cinco e quando chego no último número, ouvimos o grito do iniciante. A maior prova de virgindade e amadorismo que alguém poderia dar.
            —Por que você fez isso? — Ele pergunta enquanto sai correndo do hotel (se é que posso chamar aquilo de hotel).
            —Queria ver o circo pegar fogo. — Respondo calmamente enquanto minha namorada ri sem parar ao meu lado.
            Andamos um pouco observando as mulheres seminuas e seus cafetões disfarçados quando um traficante nos aborda tentando nos vender algum tipo de ópio barato, eu penso em comprar, mas ele erra em beliscar a bunda da minha namorada, aquela bunda deve ter alguma porra de ímã que atrai mãos masculinas. Ótimo, penso, uma briga.
A adrenalina sobe como um jato para o meu cérebro e enfio um soco tão forte no traficante que ele provavelmente engole um dente ou dois. Ele tenta me acertar, mas ainda está atordoado e erra. Descubro que ele tem uma nove milímetros em um dos bolsos da jaqueta que ele rapidamente puxa e mira em minha direção. Olho em volta e vejo que uma roda de putas e cafetões se formou a nossa volta.
Antes que ele possa atirar, eu chuto sua mão e a arma voa para longe, já fiz isso vezes demais, saco meu canivete e finco-o a barriga do infeliz. Para sorte dele, era uma faca curta demais pra matar. Viro as costas, ponho o braço nos ombros da minha namorada e saio ovacionado pelos marginais enquanto o iniciante me segue e xaveca uma vadia morena de olhos verdes.
Nós quatro, eu, o iniciante, minha namorada e a puta de olhos verdes, vamos para outro hotel barato, ficamos em quartos vizinhos e, enquanto minha namorada prepara duas fileiras de coca, posso ouvir pela parede:
           —Antes de qualquer coisa, preciso ter certeza.