terça-feira, 5 de outubro de 2010

23. Qual É O Seu Nome?


Sorvo meu Jack sentado ao balcão quando uma mulher senta-se ao meu lado e pede um Campari. Interessante, eu penso e solto um sorriso audível sem querer. Ela se vira para mim.
            —O que foi?
            —Nada — eu digo — é que são poucas as pessoas que gostam de Campari.
            —Nunca gostei de fazer parte da maioria. — Ela diz e eu sorrio de novo. — Qual é o seu nome?
            —Prefiro não entrar nesses detalhes. Veio sozinha?
            —Vim. Você deve se amar ou se odiar muito para se recusar a dizer o próprio nome.
            Ela tem um leve sotaque sulista.
            —Você é de Santa Catarina? — Eu pergunto.
            —Sou. Vim de Blumenau para São Paulo há uns meses. Por que você se odeia?
            —Por que você veio pra essa metrópole de submundos?
            —Vim tentar a vida como cantora. Por que você se esquiva tanto?
            Se alguém ouvisse essa conversa, acharia que somos crianças brincando de quem pergunta mais e responde menos. Se esse fosse o caso, eu estaria ganhando.
            —Desistiu da hipótese de que eu me amo demais? — Eu provoco.
            —Desisti. Se você se amasse, teria respondido na segunda vez em que eu perguntei e estaria se gabando de algum feito seu. — Ela para e me olha como se pedisse permissão para continuar. Permissão concedida. — Além disso, quem se ama não cheira coca.
            —Como você...
            —Suas pupilas estão dilatadas e tem um pouquinho aí na sua narina direita. — Eu passo as costas da mão e olho, não há nada. — Eu estava blefando. — Ela diz rindo e continua tomando seu Campari.
            —Você é detetive?
            —Não, me formei em psicologia ano passado.
            —Bonita e psicóloga. Combinação perigosa. Eu estou sendo cobrado por essa conversa? — Eu digo e nós rimos.
            —Estaria, se eu fosse advogada. Você é um homem muito interessante, anônimo. — Ela diz e morde o lábio inferior. — Mas ainda não disse o motivo de sua auto-depreciação.
            Hora de abrir o jogo.
            —Sou escritor. Tenho um ou outro best-seller, mas não vou citar nomes. Ganho uma boa grana com eles. Mas falta algo e eu não sei o quê.
            —Então você usa álcool e drogas como remédio. — Ela conclui e eu confirmo com a cabeça. — Muito saudável da sua parte. — Nós rimos de novo.
            —Eu tenho um remédio que é saudável. — Eu digo sorrindo e pego em sua mão.
            Ela sorri de volta e a levo para casa.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

22. Missão Cumprida


             Entro no bar do hotel e lá está ela. Glamurosa em seu vestido preto, sentada ao balcão, bebericando seu Dry Martini. A neve cai lá fora no gélido inverno de Paris.
            Paris, je t’aime!
            Ela me olha e vira o rosto com desprezo aparente (ou seria apreensão?). Não há nada que eu possa fazer agora a não ser sentar-me ao piano e tocar Violet Hill do Coldplay. As poucas pessoas presentes aplaudiram educadamente e me levanto. Missão cumprida.
            Vou até o bar e peço uma taça de vinho tinto. Viro-me para ela e digo:
            —Dizem que o vinho é a bebida do homem apaixonado.
            —Dizem que homens apaixonados tendem a ser muito estúpidos. Tem fogo?
            Pego meu Zippo, acendo dois cigarros e dou um para ela.
            —Como me encontrou aqui? — Ela pergunta depois de uma longa primeira tragada no cigarro, como as primeiras tragadas devem ser, e um gole de Martini.
            —Confesso que não foi fácil, você é uma mulher bem esguia. — Dou um gole no meu vinho e ela sorri com a afirmação. — Mas você usou seu cartão de crédito naquela simpática livraria na Champs-Élysées. Você comprou aquela primeira edição francesa d’O Retrato de Dorian Gray e tomou um café. — Ela assente com a cabeça. — Grande erro.
            —Fiquei sem euros. — Ela diz num tom culpado.
            —Eu me referia ao café, é horrível para os padrões parisienses, mas usar o cartão também não foi boa idéia.
            Ela ri. O barman me cutuca e aponta para o piano dizendo “Allez, allez!”. Só não o mando à merda por não saber dizer isso em francês.
            Levanto-me, volto para o piano e toco uma versão em jazz de Breakfast In America do Supertramp e Your Song do Elton John sem tirar os olhos dela. Volto para o balcão e peço uma dose de Jack Daniel’s
            Ela me pega pelo braço e me puxa para o quarto dela, eu fico sem reação.
            —Quero mais uma noite com você.
            Não vejo mal algum nisso.
            Entramos no quarto e vejo o casaco de pele que eu havia lhe dado há alguns anos nessa mesma cidade, nessa mesma época do ano. O Retrato de Dorian Gray descansa no criado-mudo, o marcador de páginas indica que ela já passou da metade do livro.
            Ela me empurra para a cama e desamarra a alça do vestido, deixando-o cair no chão, exibindo suas formas curvilíneas e impressionantemente bem desenhadas.
            —Céus! Você é perfeita! — Eu digo boquiaberto, esquecendo como era antigamente.
            —Não diga isso, mon chere, a verdadeira perfeição morre em pouco tempo.
            Ela cai sobre mim.
            Passam-se as horas. Ela dorme como um anjo deve dormir, linda e profundamente.
            Pego minha Magnum no bolso do paletó, encaixo o silenciador nela, coloco um travesseiro em cima do peito dela e atiro através dele.
            Ela não produz um som, nem um movimento além do reflexo do tiro. Pego meu celular e ligo para o cliente enquanto uma lágrima escorre no meu rosto.
            —Missão cumprida.

Caro Presidente


Caro Presidente Lula,
           
Gostaria de agradecer por todos os estragos que o senhor fez no Brasil. Obrigado por mostrar que qualquer um pode ser eleito, inclusive um metalúrgico semi-analfabeto ou um estilista cleptomaníaco.
Obrigado também por apoiar a candidatura de um pagodeiro que pratica, assumidamente, violência contra a mulher.
Em nome dos políticos, agradeço também por encobrir escândalos de dimensões nacionais como o mensalão (e outros menos lucrativos).
Aprecio sua capacidade de conciliar seu governo com churrascos e viagens. Isso sem contar a sua campanha pró-Dilma ainda em 2009 antes da hora, que lhe rendeu algumas dezenas de multas do Tribunal Superior Eleitoral.
Quero deixar claro que apoio totalmente a sua compra de votos em forma de assistencialismo que é o Bolsa Família.
Sua política externa também meu agradou muito, em especial a sua amizade com ditadores populistas como os irmãos Castro e Hugo Chávez e outros nem tão populistas como o do Irá, de nome impronunciável.
Espero que você tenha sucesso controlando seu fantoche Rousseff e se mantenha no poder por muitos e muitos anos, mantendo seu legado.
Obrigado por dar continuidade ao meu trabalho.
Atenciosamente,
Josef Stalin

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

21. O Cortês


Era um trabalho simples e limpo, o cliente me liga, marca um ponto, nos encontramos, eu vendo e vou embora. Sem armas, sem favela, tudo baseado na cordialidade entre vendedor e comprador.
            O chefe dizia que havia uma lista seleta de fregueses e que eu não deveria incluir mais nenhum nas vendas. Eu bem que tentei por um tempo, mas algumas pessoas não sabem o que “não” significa
            —Por favor, eu preciso de um fornecedor que seja confiável. — Ele me dizia todas as terças enquanto eu aguardava meu cliente no parque.
            —E eu com isso?
            —Dizem que você é um vendedor que eu posso confiar.
            —Não sou vendedor de nada, você deve ter me confundido com outra pessoa.
            —Por que você insiste nesse seu joguinho? Deixe-me ser seu comprador e eu te deixo em paz. — Devo admitir que eu me divertia muito com o sofrimento misturado com irritação e desespero dele.
            —Você não conhece meu chefe. — Eu dizia por fim antes de avistar meu cliente, correr até ele e colocar a mercadoria em seu bolso ao mesmo tempo em que pego o dinheiro. Era tudo extremamente discreto. Esse cliente comentou uma vez que eu tinha mãos tão leves que eu poderia seguir carreira como batedor de carteiras. Talvez eu ainda siga.
            Depois de alguns dias, falei com o chefe sobre o chato do parque.
            —Nem pensar! — Ele disse categoricamente. — Não sabemos a precedência desse sujeito, ele pode comprometer todo o empreendimento. Quem falou de você pra ele afinal?
            —Não tenho idéia, ele não disse.
            —Nem pensar! — Ele repetiu. — Os clientes devem passar pela minha aprovação antes de chegar a qualquer vendedor meu.
            Mas a minha conversa com o chefe não fez o chato desistir. Ele continuou indo ao parque todas as semanas. Um mês e meio se passou antes de eu finalmente explodir.
            —Chega! Porra! Não é possível que você precise tanto de erva! Toma essa merda! — Abri minha mochila e joguei dois pacotinhos na cara dele. — Agora some da minha frente!
            Mas ele não sumiu. Ao contrário, ficou parado e sorriu.
            —Não se mova — Ele disse e puxou uma arma do cós das calças. — Você está preso.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Céu-Inferno Com Escala - Parte Final


O mundo voltou a ter cor pra mim, mas eu ainda estava sem a Fernanda e meu coração começou a doer ainda mais quando o Renato me pediu para voltarmos com as aulas. Eu relutei, mas eu gostava do guri, era como meu irmão caçula. Ele me contou que a irmã estava morando com o Carlos lá na casa dela, mas eles nunca passavam o dia lá. As semanas corriam e eu nunca tinha encontrado com a Fê ou com o Carlos lá na casa deles. Até um dia.
            Quando eu cheguei ao casarão, notei que a porta estava aberta e a empregada não estava e entrei. O silêncio fazia o ouvido doer, até que ouvi gritos, era o Renato. Corri até o quarto dele e a cena que vi foi monstruosa. Havia um homem, de uns 30 anos, cabeça raspada olhos castanhos só de cueca tentando arrancar as roupas de Renato.
            — Me solta, Carlos! — gritava a criança
            Os dois pararam e me olharam por um segundo, agora era o pedófilo que estava com medo.
            — Seu filho da puta! — gritei e avancei para perto dele.
            — Não é o que você está pensando. — respondeu o maldito.
            — Ele tem nove anos! — apontei para Renato que estava chorando no canto do quarto.
            Primeiro o escroto rouba a mulher que eu amo, depois eu descubro que ele é um pedófilo e estava atacando o irmão da mulher que eu amo. Não suportei mais e derrubei-o no chão com um soco, subi em cima dele e esmurrei a cara dele. Até que a Fernanda entrou correndo no quarto, ela estava linda, mas com o semblante triste. Era a primeira vez que eu a via em meses.
            Contei o que aconteceu, depois de deixar o escroto desacordado e amarrado, e concordamos em chamar a polícia.
            — Ele sempre me pareceu tão doce com o Renato. — ela me disse ao fechar a porta.
            — É, as aparências enganam. —respondi com certa rispidez, eu tava puto por ter sido trocado por um animal como aquele.
            — Ouvi dizer que você tá limpo. — ela comentou mudando de assunto.
            — To, mas parece que você não. — o braço esquerdo dela estava cheio de furos de agulhas.
            — O Carlos não era uma boa influência.
            Passado um tempo de silêncio constrangedor, ela começou a chorar, fiquei atônito até que ela disse:
            — Dani, eu tenho AIDS!
            Naquele momento eu devo ter feito uma cara de terror, pois ela logo emendou:
            — Mas fica tranqüilo, foi por causa do Carlo, ele me passou pelas seringas.
            — Ficar tranqüilo? — explodi — Como posso ficar tranqüilo sabendo que aquele filho da puta passou AIDS pra mulher que eu amo?
            — Você ainda me ama?
            — Nunca deixei de te amar.
            Foi foda, a única coisa pior que sofrer é ver quem você ama sofrendo, nossas vidas nunca mais foram as mesmas, ela tinha um coquetel pra tomar e tudo ficou deprimente, não sabíamos quanto tempo ela ainda tinha, passamos dois anos nesse sofrimento, mas eu nunca saí do lado dela. Um dia ela dormiu, já estava no hospital, dormiu e não acordou nunca mais, foi o dia mais difícil da minha vida.
            Mas eu nunca me dediquei tanto a alguém como fiz com ela, até seu último suspiro. Seus longos cabelos loiros e seus reluzentes olhos azuis me encantaram desde o primeiro instante.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Céu-Inferno Com Escala - Parte 2


Esse mundo de fama e influência vem recheado de sexo e drogas e foi nesse universo que conheci o Joca, um fornecedor de material ilícito. Mas ele não era um traficantezinho de morro, a sede dele era numa cobertura no Morumbi, ele era rico, rico pra caralho. E eu virei um dos maiores compradores dele.
            — Grande Dani! — ele me saudou.
            — Fala, bicho! O que tu tem de novo? — perguntei.
            — Um pouco de talco, puríssimo, e algumas vacinas.
            — Ta esperando o que pra empacotar? — eu disse tirando dinheiro vivo do bolso.
            — Ta na mão. E como vai a patroa? Faz tempo que ela não cola por aqui.
            — Ta lá em casa esperando a mercadoria.
            A Fernanda entrou nesse mundo comigo, não lembro como ela começou, só lembro que foi por vontade própria, mas eu menti quando eu disse que ela tava esperando as drogas, na verdade ela esperava um bebê, nosso filho, e já estava no sexto mês. Ela se comportou direitinho, não fumou, não cheirou, não se picou, uma mãe exemplar. Eu, por outro lado, estava me fodendo cada vez mais, me sentia um Pete Doherty, mas o público gostava desse estilo “roqueiro drogado”. Enquanto eu me afundava na lama a minha carreira deslanchava, eu já era uma das figuras mais famosas do país. É como diz o ditado, dinheiro não trás felicidade, mas corta o caminho.
            Eu tava nervoso com a expectativa da paternidade, mas feliz, mesmo me matando aos poucos. Os viciados nunca sabem o que fazem e comigo não foi diferente, eu não percebi o meu declínio, não percebi que o que antes era o Paraíso começou a virar o Purgatório.
            O telefone tocou:
            — Dani, a bolsa estourou! — era Fernanda, ela estava aos prantos.
            — Caralho! Ainda falta um mês! Relaxa, pega um táxi que eu te encontro no hospital. — Eu estava tremendo, cheirei uma carreira de fui. Esperei umas duas horas até o médico vir me falar o que aconteceu.
            — Fizemos tudo que pudemos, mas não conseguimos salvar o bebê. — Ele disse. Soquei a cara dele e fui correndo até o quarto, deixando o médico caído no chão.
            Fernanda estava dormindo com o rosto cheio de lágrimas e os olhos vermelhos, eu chorava também. A morte do meu filho marcou a minha passagem do Purgatório pro Inferno, eu estava começando a me livrar do vício, mas acabei voltando, e voltei com tudo. Pra piorar tudo a Fernanda me largou, na verdade ela tinha me pedido um tempo, mas qual é a diferença?
            Eu dividia meu tempo livre compondo, me drogando e bebendo, invariavelmente jogado num canto qualquer em casa iluminado pela lua. Não era a atividade mais divertida, mas quebrava um galho pra afogar as mágoas.
Descobri um tempo depois, através do Joca, que a Fê estava com outro, um cliente dele chamado Carlos. Só Deus sabe o quão puto eu fiquei, quando eu achei que já tinha chegado ao fundo do abismo vi que dava pra eu me sujar mais, pelo menos até ter uma overdose. Poucas pessoas conseguem sair vivas de uma overdose de heroína, eu fui uma delas.
Eu estava com o Pedro, o único amigo de verdade que me restou durante o meu declínio. Ele era tão doidão quanto eu, mas me acompanhou do Paraíso até o Inferno, ele era o baterista da minha banda, foi o Pedro que me levou pro hospital.
            — Não vou te passar sermão, Daniel — Me disse o médico quando eu acordei. — Só vou pedir pra você parar por aqui antes que não haja mais salvação. Você ainda tem esperança.
            Eu não prestei atenção em nada do que ele falou até a palavra “parar”, eu só conseguia pensar na Fernanda, mas pensei no meu risco de vida.
            — Falar é fácil. — Respondi depois de alguns segundos.
            — Você está certo, é difícil largar as drogas, por isso eu vou te recomendar uma clínica. Já passei o endereço para seu amigo.
            — Reabilitação? Nem fodendo! — Eu não estava com o menor saco de encarar uma reabilitação.
            — Vamos, Dani, pense bem, pode ser nossa luz. Eu vou com você. — Disse o Pedro.
            Aceitei o desafio, foram os três meses mais barra pesada pelos quais eu já passei. Comendo uma comida escrota com enfermeiros me rodeando 24 horas por dia com remédios e missas duas vezes por semana, alguns saem de lá evangélicos. Mas melhor do que eu esperava, a cada semana que passava o poço parecia mais raso e mais fácil de escalar.

domingo, 13 de junho de 2010

Céu-Inferno Com Escala - Parte 1

Nunca me dediquei tanto a alguém como fiz com ela, até seu último suspiro. Seus longos cabelos loiros e seus reluzentes olhos azuis me encantaram desde o primeiro instante.
            Já faz sete anos que saí de Porto Alegre para seguir minha carreira de músico em São Paulo. Deixei minha vida pra trás e comecei tudo de novo, minha família ficou puta na época, mas era eu ou eles. Tive que me foder muito aqui para começar a me dar bem, são várias histórias que não valem a pena serem contadas agora.
            O importante é que depois de seis meses comendo merda eu consegui um emprego de professor e uma banda, foi aí que as coisas começaram a ficar interessantes. Consegui comprar um apê decente e tinha cada vez mais alunos pagando minhas contas, eu vivia com relativo conforto. Foi nessa época de vacas gordas que meu celular tocou foi o começo do fim. Ou o fim do começo, tanto faz.
            — Daniel Chaplin falando. — Atendi.
            — O professor de guitarra? — Ela perguntou, sua voz era suave como um coral de anjos. — Meu nome é Fernanda e eu tenho um irmãozinho que quer aprender a tocar. Ouvi dizer que você é o melhor. — Senti um arrepio.
            — Ouviu, é? Bom, podemos começar no próximo sábado, está bom pra vocês?
            — Sábado está ótimo!
            Nesse momento, meu coração já estava a mil com a expectativa de encontrar a Fernanda, ver como ela era. Passei as duas noites seguidas em claro imaginando o rosto e o corpo da Fernanda.
            Sábado finalmente chegou e eu fui até a casa do garoto com um puta nervosismo. Eles moravam numa casa gigante na zona oeste da cidade.
            Quem me atendeu foi a empregada, ela me conduziu até uma sala de visita do tamanho do meu apartamento inteiro. Sentei no sofá e esperei o guri, ele chegou logo em seguida, era pequeno, loiro de olhos azuis e devia ter um 9 anos, imaginei se a irmã seria parecida.
            — Você deve ser o Daniel. — Ele disse entrando na sala — Pode vir, a guitarra tá lá no meu quarto, eu sou o Renato.
            Segui-o pela escadaria de mármore e pelos longos corredores, vez ou outra eu dava uma espiada nos quartos, a casa era uma mistura de clássico e moderno. Impressionante.
            — Bela casa. — Comentei.
            — Valeu, é tudo da minha irmã, ela ficou com tudo depois que nossos pais morreram.
            — Sinto muito. — lamentei.
            — Não sinta, eu nem me lembro deles, já faz muito tempo.
            Passado o momento mela-cueca nós começamos a aula com toda aquela teoria toda de primeira aula, mas eu me divertia, o guri era engraçado. Estávamos no fim quando uma deusa em forma humana com o corpo mais lindo e pele mais macia de todas entrou no quarto. Era ela.
            — Oi, Fê! Olha o que eu já sei tocar! — Disse Renato tocando um riff simples, mas com perfeição.
            — Muito legal! Muito legal mesmo! — Ela respondeu com a voz suave que eu ouvira no telefone. — Agora eu preciso dar uma palavrinha com o Daniel.
            Levantei de imediato deixando a guitarra cair no chão e arrancando risadas dos irmãos. O sorriso da Fernanda era extraordinário! Fomos até a enorme e dourada sala de estar da casa e ela começou a falar algo sobre pagamento, mas eu simplesmente não conseguia parar de pensar na boca dela. Ela percebeu, parou de falar e começou a me encarar também, ficamos nesse silêncio durante alguns segundos, fomos nos aproximando, teve todo aquele clichê de cinema, ela mordeu o lábio e nós nos beijamos. Foi tão maravilhoso e ao mesmo tempo tão lugar-comum.
            Pode-se dizer que esse foi o começo da fase Paraíso da minha vida, eu trepava com uma milionária que me amava tanto quanto eu a amava e recebi uma proposta pra gravar um CD, dinheiro abre muitas portas. Tudo foi rápido demais, ascender no ramo musical como eu fiz é uma tarefa árdua, mas como eu disse, o dinheiro abre portas.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Não é adeus, é até logo!

Essa mensagem é pra quem não tem twitter ou quem não me segue ou foda-se.

Alguns podem ter percebido que eu não faço mais os posts regulares de toda terça. O fato é que acabaram meus contos publicáveis por enquanto, então vou finalizar o blog, por enquanto, com minha primeira história que será dividida em capítulos. É uma história que eu gosto muito por ser uma das primeiras tramas que desenvolvi bem e me dediquei por dias há alguns anos.

Quando essa história terminar, vou postar quando escrever, mas esse ano tem sido hostil com a minha criatividade, a maioria do que vocês leram aqui foi escrito ao longo de 2009 contra um ou outro desse ano.

Mas já quero agradecer o apoio dos que leram e gostaram ou nem gostaram, mas foda-se, aumentou o número de visitas assim mesmo

E muito sexo e rock 'n' roll pra todo mundo!



P.S.: Comentem o que acharam do novo fundo, tem vários que eu gostaria de testar ainda.
P.P.S.: Eu parei por enquanto de postar CONTOS, mas nada me impede de vir aqui de vez em quando pra expor algumas opiniões, divagações e delírios, né não?

terça-feira, 25 de maio de 2010

20. A Vadia!


Entro em casa e lá está ela. Sentada na poltrona como um Dom Corleone com peitos e sem bigode numa sala iluminada apenas por um abajur.
            —Onde está seu charuto, Dom Vito? — Eu brinco. Ela continua séria, imponente.
            —Quem é ela? — Ela diz numa voz mórbida.
            Olho em volta procurando uma terceira pessoa, mas não há ninguém além de nós dois. O silêncio machuca meus ouvidos.
            —Ela quem? — Eu pergunto quebrando o silêncio.
            —A vadia! A outra! A sua Ana Bolena! — Ela grita se levantando.
            —Puta que pariu! — Eu digo — Eu não acredito que você acha isso. O que te faz pensar que eu tenho um caso?
            —Você me trouxe flores ontem, bombons anteontem e sapatos semana passada. A Marie Claire diz que presentes demais é sinal de affair.
            —Eu não posso simplesmente querer agradar minha esposa?
            —Você só começou a fazer isso mês passado em cinco anos de casados! — Ela levanta ainda mais a voz.
            —Você vai acordar as crianças gritando assim.
            —Desculpa. — Ela diz e respira fundo. — Mas me diz, por que tanto presente? Está se sentindo culpado?
            —Não! Eu ganhei aquela promoção mês passado e achei que seria legal te fazer uns agrados, a gente nunca teve grana sobrando pra caprichos nossos. Não acredito que você desconfiou de mim desse jeito. — Agora quem está puto sou eu.
            Ela pondera por alguns segundos.
            —E aquela mensagem no seu celular de alguma mulher pedindo pra buscá-la na rodoviária?
            —Minha irmã? Ela veio de ônibus pro Rio e não queria pegar táxi até o hotel.
            Ela fica estática. Seus olhos se enchem de lágrimas.
            —Desculpa, meu amor! — Ela diz já chorando.
            —Ta, eu vou dar uma volta de carro pra dar uma arejada.
            Saio sem dizer mais nada. Ao entrar no elevador, saco meu celular e disco o número de sempre.
            —Oi, briguei com ela, me encontra naquele botequim de sempre no Leblon. Preciso conversar.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

19. Mentira Sincera


—Bicho, eles estavam certos! — Eu digo.
            —Eles quem? — Ele pergunta com sorriso como se quisesse dizer que eu sou louco.
            —Jack Kerouac, Allan Ginsberg, Charles Bukowski, Irvine Welsh… Todos eles, cara!
            —Mas eles estão certos em relação a quê?
            Cheiro mais uma linha de coca que está na mesa de vidro.
            —Porra, velho, todos eles escreveram sobre como o mundo, a sociedade e as pessoas estão fodidas. Dizem que eu estou no fundo do poço, mas quando olho em volta, percebo que todos estão infinitamente mais fodidos do que eu. — Paro e trago meu cigarro lentamente.
            —Prossiga.
            —Cara, eles mostram as pessoas como elas realmente são, mostram a natureza humana nua, sem as máscaras de hipocrisia.
            —Você tem razão! — Ele grita entusiasmado, percebendo do que estou falando. — Nos livros desses caras, os personagens se drogam, brigam, fazem sexo sem proteção, bebem, fumam, traem e roubam!
            —A marginalidade é a mentira mais sincera que tem.
            —E nós fazemos parte desse mundo! Eu e você! — Ele diz se levantando do sofá de couro preto.
            Me sento e trago mais do meu cigarro.
            —Somos os heróis dos maiores autores que já passaram pela terra, não usamos máscaras.
            —Podemos tomar conta do mundo, bicho! — Ele diz acabando com a última linha de coca na mesa. — Por que demoramos tanto tempo para perceber isso?
            —Não tenho idéia. — Eu respondo. Levanto e pego uma garrafa de Jack Daniel’s na prateleira de bebidas.
            —Então vamos sair daqui! — Ele grita depois de tomar o copo de whiskey com um gole.
            —Sair e fazer o quê? — Sorvo um gole do whiskey e me sento para admirar o lustre de cristal que ilumina essa sala luxuosa.
            —Vamos enlouquecer, porra! — Ele joga o copo contra a parede, destruindo-o em mil pedaços minúsculos, mas eu não consigo me importar. — Vamos dar a cara pro mundo bater!
            —Não sei, cara... isso me parece maluco demais. Me parece o tipo de coisa da qual não sairemos vivos.
            —Melhor morrer assim do que viver na incerteza por não ter tentado.
            Viro o resto do whiskey e também jogo o copo contra a parede. Me levanto.
            —OK! Vamos! — Eu digo mais decidido do que nunca.
            Abro a porta e saio primeiro, um enfermeiro me vê.
            —Aonde você vai? — Ele pergunta com um sorriso no olhar.
            —Nós vamos tomar o mundo! — Eu digo sorrindo.
            —Não, não vai. — Ele diz e me empurra de volta para dentro da minha cela acolchoada com cheiro de urina. Estou sozinho.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

18. Arrependo-me


Eu queria ter uma máquina do tempo
Eu voltaria uns anos e veria velhos amigos
Eu não teria os abandonado como fiz
Não teria dito que ligaria quando não ligo

Eu teria me alertado sobre o futuro
Teria me dito com quem falar e andar
Pediria desculpas para a minha mãe
Diria que a má fase iria logo passar

Eu voltaria no tempo e veria velhos professores
A maioria eu mandaria se foder
Mas alguns têm minha eterna gratidão
São aqueles que me fizeram crescer

Eu voltaria para assombrar o meu pai
Eu o acusaria de ser um péssimo exemplo paterno
Eu o odiaria por ter me deixado
E mostraria para ele o meu inferno

Eu teria me libertado da Igreja antes
Teria me tornado ateu mais cedo
Eu questionaria mais a verdade e a essência
Eu teria muito mais medos

Eu teria chorado por coisas mais banais
Escreveria mais poemas
Contaria mais histórias
Com os mais diversos temas

Eu partiria para uma aventura
Faria uma verdadeira epopéia
Não levaria lenço ou documento
Esconder-me-ia em vilas européias

Eu queria ter uma máquina do tempo
Eu voltaria no tempo e faria tudo igual
Eu repetiria cada segundo da minha vida
Sem me importar se isso é bom ou mau.

terça-feira, 4 de maio de 2010

17. Nietzsche

Taí, resolvi inovar aqui e ao invés de um conto, resolvi colocar esse curta que eu fiz pra aula de filosofia com uns bobões aí do colégio. O som tá um lixo, eu sugiro que comecem com o volume alto e vão mudando conforme sua necessidade. Esqueçam as atuações, locações e figurino. O importante é o conteúdo e a edição. Divirtam-se.

terça-feira, 27 de abril de 2010

16. Rupinol


—E aí, vamos ou não? — Ela me pergunta como se não fosse importante. Talvez pra ela não seja, mas pra mim é.
            —Calma, to pensando ainda. — Eu retruco rispidamente.
            Ela olha em volta, me olha com um sorriso sedutor e me mostra seu mamilo esquerdo rapidamente.
            —Ok, vamos. — Não é assim que eu imaginava a minha primeira vez, mas eu to com pressa pra perder a virgindade.
            Andamos até a minha casa, me certifico de que não há ninguém lá e subimos para o meu quarto.
            —Que banheira grande você tem aqui. — Ela diz parando em frente ao banheiro do corredor.
            —É dos meus pais, a gente pode usar se quiser.
            —Veremos depois então. — Ela diz sorrindo e seguindo para o quarto.
            Entramos no quarto e ela me joga na cama com força e sobe em mim, me beijando violentamente.
            —Calma. — Ela para e se levanta. — Falta um drink pra você relaxar.
            Ela pega sua mochila de tira uma garrafa de Jack Daniel’s de dentro dela.
            —Seus pais não vão aparecer, né? — Ela pergunta enquanto eu bebo.
            —Não, eles estão viajando e só voltam semana que vem. Você não vai beber? — Eu pergunto ao vê-la guardando a garrafa.
            —Não, to tomando remédio e não posso tomar álcool.

***

            Frio. Muito frio.
            Abro os olhos com dificuldade, a luz branca e forte os perfura como agulhas prateadas. Milhões delas.
            Não sinto nada abaixo do pescoço. Estou na banheira dos meus pais, uma banheira entupida de gelo. Gelo e eu. Levanto-me com dificuldade e consigo sair da banheira, mas uma dor excrucitante atravessa meu tronco e me faz cair no chão molhado com um grito. Ainda estou de jeans, mas sem camisa, há uma cicatriz de uns 20 centímetros nas minhas costelas.
            Consigo me arrastar até o meu quarto e puxo o cobertor da cama para o chão. Uma folha cai junto e há algo escrito.
            “Bom dia, você foi drogado e um dos seus rins foi levado. Por sorte, você só precisa de um para sobreviver. Obrigado, gatinho.”
            Filha-da-puta.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

15. Valores


Ela fica dizendo bobagens sobre meu trabalho, falando sobre a profundidade das minhas músicas, citando trechos, cantando melodias e acordes.
            —Você é um poeta, me inspirou a escrever minhas próprias músicas. — Ela diz entre um gole e outro de gim com tônica.
            Não acredito que estou pagando mais de 200 reais nesse bar só pra a ouvir falar impropérios sobre mim.
            —Obrigado, mas eu não sou um poeta, só um cara que gosta de entreter as pessoas com a minha arte, com os meus sentimentos. — Eu respondo olhando pro vazio, deixando claro o meu desinteresse.
            Ela ignora a falta de atenção e coloca a mão na minha coxa.
            Bosta, penso.
            —Não se subestime. Você é um poeta. Quer um pouco de pó? — Ela diz a última frase com tanta naturalidade que eu, por um segundo, penso que se trata de pó-de-arroz.
            Malditas sejam as tietes. Eu realmente achei que essa fosse diferente quando a chamei pra sair ontem depois do show. Eu realmente me dispus a gastar uma grana com ela ao invés de simplesmente leva-la pra cama por pensar que poderia ser algo sério. Doce ilusão.
            —Não, obrigado. Eu parei.
            —É, eu vi na entrevista da Rolling Stone, mas achei que você só estava bancando o bom moço.
            A mão dela sobe pela minha perna e encontra a origem dos meus futuros filhos. Ela o massageia por baixo do balcão e eu não consigo esconder meu tesão.
            —A gente faz o seguinte; — Ela começa. — vamos ao banheiro e usamos os sentidos, eu cheiro e você me toca, o que acha? — Ela diz isso como um último suspiro de uma groupie desesperada.
            —Parece ótimo. — Eu minto. — Vai na frente que eu te sigo em dois minutos.
            Ela sorri e sai com pressa. Deixo o dinheiro no balcão, chamo o barman e digo:
            —Olha, tem uma moça no banheiro, quando ela voltar, dá esses 50 reais pra ela pegar um táxi.
            Saio do bar e dou de cara com uma puta numa esquina.
            —Ta afim de diversão? — Ela pergunta seguindo o roteiro.
            —Quando é?
            —100 reais.
            —É... Bem mais barato.
            Abro a porta do carro e a deixo entrar.

terça-feira, 13 de abril de 2010

14. O Cumprimento do Adeus


Eu me levanto jogando a bituca fora e vou embora a deixando lá parada, sei que ela está me olhando, sinto o olhar na minha nuca, mas não olho para trás. Jamie Cullum começa a cantar na minha cabeça por algum motivo obscuro e ouço de longe o meu nome.
            Não resisto e olho para trás, ela corre em minha direção e finalmente me abraça com um beijo. Quando finalmente nos soltamos eu olho em volta e ele está lá, do outro lado da rua, me fuzilando com o olhar.
Meu rival e amigo também corre em minha direção, mas não creio que os motivos sejam tão nobres quanto os da garota que acabo de beijar. Um soco e eu caio no chão atordoado. A luz do sol perfura meu olho, mas consigo ver o bico do pé dele voando para as minhas costelas. Um, dois, três, quatro, cinco chutes. Dói pra caralho.
Consigo me levantar e sou recebido de volta com uma cotovelada na têmpora, o filho-da-puta é incrivelmente maior que eu, na confusão eu não consigo ver para onde ela foi.
Sinto o sangue quente na minha boca, mas reúno forças pra contra-atacar e enfio um gancho de direita no queixo do infeliz que cambaleia para trás e corre para me dar uma cabeçada, me desvio no último segundo e coloco meu pé na frente que o faz cair de cabeça no chão áspero da calçada.
—Não quero brigar! — Eu grito esvaziando meus pulmões.
—Então não deveria ter provocado! É tudo culpa sua, seu manipulador de merda! — Ele respondeu se levantando. Achei uma ofensa injusta, não manipulo merda, manipulo sentimentos... Mas qual é a diferença?
Ele me dá um último soco no estômago que faz eu me dobrar e sai correndo, eu acho que ele está chorando, não tenho evidências, mas o conheço bem demais. Quando recupero o ar, cuspo o sangue que ficou na minha boca e a lavo com um gole do whisky que estava na minha mochila.
Acendo um cigarro enquanto o observo correndo como o vento. Não sei porque, mas um sorriso brota no canto da minha boca, mas não dura muito.
—CUIDADO! — Eu berro, mas ele não me ouve, ou não quer me ouvir e continua correndo no mesmo ritmo.
Ele está a três passos do outro lado da rua quando um Grand Caravan em alta velocidade o acerta. Meu cigarro cai no chão com a garrafa de whisky que se quebra em mil pedaços.
Uma lágrima escorre pelo meu rosto enquanto observo, impotente, o corpo inanimado voando a vários metros do chão. O motorista freia o carro que tem seus pneus rasgados. O airbag é acionado e uma nuvem de fumaça fétida se levanta em volta da cena. O motorista se dirige ao corpo no chão e começa a chorar, desolado, ajoelhado no chão.
O motorista é o pai dele.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

13. Dia de Noite


A noite quente queima meu corpo como um fogo distante afastando meu sono e me fazendo pensar que Morfeu nunca pareceu tão longe. Acendo um cigarro e olho para a cidade que também parece insone, mas alheia ao meu sofrimento.
Um escritor que não escreve; um poeta sem sua musa. Tento enxergar dentro das janelas ainda acesas, mas tudo que vejo são luzes embaralhadas em meio ao inferno em que vivo. Lá se foi a lucidez.
Embriagado pela dor, acompanho o tango da fumaça do cigarro indo em direção ao infinito. Depois passo a seguir as cinzas caindo, voando e rindo da minha cara.
Os carros passam aos poucos, mas sem parar. Imagino que seus motoristas e acompanhantes estejam se divertindo. Bom para eles.
Por favor, Morfeu, por favor, me leva embora. Me deixe dormir, me deixe sonhar.
Me pergunto se os outros insones da noite paulistana estão sentindo o mesmo que eu. Provavelmente não.
Onde foi que tudo deu errado? Onde foi que eu deixei cair a alegria?
O cigarro não está nem na metade e parece que já se passaram anos desde que eu o acendi.
Sento numa cadeira e tiro meu velho canivete do bolso. Admiro os reflexos das luzes sem sono na lâmina por um instante. Faço a ponta da faca percorrer vagarosamente o meu peito nu. Por alguns segundos, ou assim parecem, penso em fincá-la de uma vez no meu coração e a pressiono com um pouco mais de força na região.
Não, não vou acabar assim como um fracassado. Pelo menos não agora.
Uma sirene de ambulância começa e quebra meu silêncio de depressão. Poderia ser eu dentro dela.
Apago o cigarro e me livro da bituca com certa repulsa.
O calor vai se intensificando e uma rajada de vento escaldante é jogada em cima de mim como quem diz: Você não é bem-vindo, vá embora.
Acredite, eu já tentei ir embora, vento.
O deus do sono me deu o bolo hoje. Disse que ia pegar um drink para mim, mas desapareceu. Deve ter encontrado outro par para dançar.
O rádio toca um rock dos anos 70, a década onde tudo era mais simples e nada era levado tão a sério. Sexo, drogas e rock ‘n’ roll.
Volto para meu quarto e me deito, mas é inútil. Não consigo parar de me revirar na cama. Tudo culpa dela, ela é quem roubou meu sono ao me fazer pensar nela constantemente.
Olho pela janela e lá está o clarão de um novo dia.
            A gente se vê depois, Morfeu.

12. Redenção


Ele entrou no bar meio cambaleando, mas me pareceu um pouco ensaiado ou forçado. Ou os dois. Ele está abraçado a uma loira que tem cara de puta da Augusta. Pobre garota... Ele olha em volta e me vê, ele vem em minha direção.
            —Oi! — Ele diz com aquele sorriso besta na cara enquanto se senta ao meu lado no balcão.
            —Esse lugar está ocupado. — Eu digo sem olhar pra ele.
            —Jura? Quem vai comer meus restos hoje?
            Fico horrorizada por um segundo. Por mais grosseiro que ele fosse, eu nunca o havia visto desse jeito. Quando finalmente olho diretamente pra ele, vejo o pó branco ainda preso nas narinas dele e suas pupilas dilatadas.
            —Ah! Essa aí é aquela que você tanto fala? — A Loira pergunta.
            —É, é ela. Agora que eu a encontrei, pode vazar.
            —Como é? — Ela me pareceu genuinamente ofendida.
            —Você me ouviu. Desinfeta. — Ele diz sem tirar os olhos de mim.
            —Ela seu estepe ou algo do gênero? — Eu pergunto enquanto a Loira sai do bar com passos largos e nariz empinado.
            —Algo do gênero.
            Barba por fazer, coca nas narinas, hálito impregnado por café, cigarros e álcool. Ele sempre teve uma inclinação para a autodestruição, mas eu sempre achei que fosse mais uma pose do que algo concreto.
            —Voltou a usar? — Eu pergunto depois dele pedir uma bebida e apontando para o nariz dele.
            Ele permanece em silêncio por um tempo, bebe um pouco de seu Campari recém chegado com um olhar distante até finalmente se virar para mim.
            —Você estava blefando quando disse que esse lugar estava guardado, não estava?
            —Responde a minha pergunta e eu respondo a sua. — Eu retruco sem pensar muito.
            —O pó me ajuda a escrever, extrai minha inspiração.
            —Não parece estar funcionando, não vejo um texto seu há meses.
            —Talvez eu só não tenha te mostrado, baby.
            —Talvez você só não tenha escrito nada. — Eu dou mais um gole no meu Martini. — E sim, eu estava blefando.
            —Cadê aquele cara por quem você me trocou?
            Um frio percorre minha espinha. Eu sabia que iríamos chegar nesse ponto.
            —Se bem me lembro, foi você quem me abandonou. — Eu digo com vontade de chorar. Mas não vou chorar. Não vou dar esse gostinho a ele.
            —Touché. — Ele diz com um sorriso triste na cara antes de beber mais.
            —Ele me largou.
            —Já tentou ser a que chuta ao invés de ser a chutada?
            —É por comentários como esse que não estamos juntos.
            —Somado a sua falta de senso de humor e algumas ironias do destino.
            Ser abandonada do nada por tentar fazer dele uma pessoa melhor não é uma ironia do destino! Eu me seguro pra não verbalizar isso. O erro foi todo dele.
            —Sabe, ele me largou porque eu nunca superei sua perda. — Merda, eu não deveria ter dito isso. Agora ele vai ficar se achando o máximo. Mas não, ele não começa a se gabar, ele simplesmente diz:
            —E eu parei de escrever por ter perdido minha musa.
            Tenho que admitir que o idiota ainda sabe me agradar. Fedendo a álcool e travado de cocaína, ele sabe me agradar.
            —Olha, eu estou escrevendo um livro. Como nos velhos tempos. Algumas garrafas de vinho, cigarros, luz de velas, minha velha máquina de escrever e meus antigos...
            —... Discos de vinil do BB King e Ray Charles. — Eu digo completando a frase dele sem querer. Como antigamente.
            —Você ainda me conhece bem.
            —Você não mudou nada, cafajeste. Sobre o que é o livro?
            —Eu sempre disse que nossa história daria um livro, não é? Mas ainda falta um final sem pontas soltas.
            —Serve esse final? — Eu digo enquanto me aproximo de seu rosto. Nós nos beijamos. Um som de vidro quebrando toma conta do lugar. O som é seguido por gritos. O corpo do meu escritor cai na minha frente depois de nosso último beijo. A bala o perfurou no coração. No coração que pertencia a mim. Olho para os lados, ainda atordoada e vejo aquele por quem troquei meu escritor com a arma na mão, sendo imobilizado pelos seguranças.
            O livro foi concluído numa tragédia.

11. Antes de Qualquer Coisa


Isso é São Paulo, sexo, drogas, puteiros, bares, heterossexuais, homossexuais, bissexuais, trissexuais, travestis, ativos, passivos, maconha, heroína, coca, Guaraná e Fanta. E pensar que as pessoas saem de São Paulo, mas não saem do Brasil, não existe cidade como aqui em nenhum outro lugar da América Latina. Além de, talvez, Tijuana.
            O iniciante olha em volta com um brilho admirado nos olhos, estamos na Augusta, na parte mais baixa da rua. Você sabe, perto do centro. Ele me olha e eu sorrio para ele enquanto trago meu cigarro e dou um gole na minha garrafa de Bourbon. Ele abre a carteira pela terceira ou quarta vez e sorri para mim afirmando a presença de dinheiro lá dentro.
            Uma loira se aproxima de nós e passa a mão na bunda da minha namorada que sorri para ela dizendo:
            —Belos peitos, são naturais?
            —Cem por cento. — Responde a puta de imediato. Conheço o roteiro. — Estão a fim de sexo a três? — O iniciante olha pra mim e eu empurro delicadamente aquela mulher da vida para perto dele. Eles viram as costas e se dirigem ao hotel vagabundo na esquina.
            Olho para minha namorada que dá uma risadinha maliciosa, nós dois sabemos que aquela puta era um travesti. Conto até cinco e quando chego no último número, ouvimos o grito do iniciante. A maior prova de virgindade e amadorismo que alguém poderia dar.
            —Por que você fez isso? — Ele pergunta enquanto sai correndo do hotel (se é que posso chamar aquilo de hotel).
            —Queria ver o circo pegar fogo. — Respondo calmamente enquanto minha namorada ri sem parar ao meu lado.
            Andamos um pouco observando as mulheres seminuas e seus cafetões disfarçados quando um traficante nos aborda tentando nos vender algum tipo de ópio barato, eu penso em comprar, mas ele erra em beliscar a bunda da minha namorada, aquela bunda deve ter alguma porra de ímã que atrai mãos masculinas. Ótimo, penso, uma briga.
A adrenalina sobe como um jato para o meu cérebro e enfio um soco tão forte no traficante que ele provavelmente engole um dente ou dois. Ele tenta me acertar, mas ainda está atordoado e erra. Descubro que ele tem uma nove milímetros em um dos bolsos da jaqueta que ele rapidamente puxa e mira em minha direção. Olho em volta e vejo que uma roda de putas e cafetões se formou a nossa volta.
Antes que ele possa atirar, eu chuto sua mão e a arma voa para longe, já fiz isso vezes demais, saco meu canivete e finco-o a barriga do infeliz. Para sorte dele, era uma faca curta demais pra matar. Viro as costas, ponho o braço nos ombros da minha namorada e saio ovacionado pelos marginais enquanto o iniciante me segue e xaveca uma vadia morena de olhos verdes.
Nós quatro, eu, o iniciante, minha namorada e a puta de olhos verdes, vamos para outro hotel barato, ficamos em quartos vizinhos e, enquanto minha namorada prepara duas fileiras de coca, posso ouvir pela parede:
           —Antes de qualquer coisa, preciso ter certeza.