segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

8. Ou Não


Ele e aquele sorriso. O sorriso dele o faz parecer invencível, imortal. Cabelos negros e bagunçados, corpo musculoso e esse estilo de estrela do rock que me faz pirar.
            O que é aquilo na mão dele? Ele está muito longe, mas parece uma lata de cerveja. Minhas amigas detestam homens que bebem, mas eu gosto, dá uma aura misteriosa pra eles. Os que fumam também.
            Que merda! Ele nem olha pra mim! Ele fica balançando a cabeça, acompanhando o ritmo da música e eu olhando feito uma besta. O bar inteiro deve ter percebido já. Pego um cigarro na bolsa e acendo.
            —Pode parar, mocinha! — O garçom grita do balcão. — Não se fuma mais em lugar fechado. — Ele diz apontando pro teto e pras paredes.
            —Vai se foder. — Resmungo apagando o cigarro no chão mesmo.
            Por que ele não me nota? Nada no mundo me faria mais feliz agora, nem as minhas amigas que ficam fofocando aqui do meu lado, nem o baseado que tem na bolsa de uma delas, nem mesmo o papelote de coca que tem na minha.
            Ele olha. Eu congelo. Minha boca fica seca e eu dou mais um gole no meu gin. Ele grita alguma coisa no ouvido de um dos amigos dele que também me olha e sorri. Agora eu é que estou fingindo não ver.
            O garçom pentelho vem na direção da minha mesa e me entrega uma taça de Dry Martini.
            —Cortesia daquele rapaz na pista. — Ele diz apontando pra ele. — Ele só pediu o seu telefone em troca.
            Anoto meu número num guardanapo e dou para o garçom. Observo toda a movimentação desde a entrega do guardanapo até o sumiço do meu garoto. Alguns minutos se passaram e uma mensagem chega no meu celular. Me encontra ao lado do balcão.
            Levanto e vou até ele.
            —Ouvi dizer que você andou me observando. — Ele diz sorrindo. Sua voz é linda.
            —Boatos... — Eu respondo sorrindo de volta.
            Ele avança e seus lábios quase tocam os meus. Não tem nada nesse mundo que eu gostaria mais do que um beijo dele aqui e agora.
            —Mas eu não posso! — Ele me olha confuso, tadinho. — Você vai me beijar agora, pode se apaixonar ou não por mim, mas eu já estou apaixonada por você e não quero arriscar os 50% de chances existem de não ser recíproco. Não quero sofrer por você, não quero chorar. Você pode ser cruel comigo ou não, são outros 50%. Eu não sei mais o que pensar, eu te olhei esse tempo todo, é verdade, olhei você dançando, pulando, delirando. Eu mesma delirei por você. Você poderia delirar por mim ou não, mais 50%! As probabilidades estão tanto ao nosso favor como contra nós! Nunca saberemos ao certo como isso vai terminar. Podemos ir bem e pra sempre ou mal e nunca mais nos veremos de novo, é, eu sei, adicionei mais 50%!
            —Quer só conversar por enquanto? — Ele me pergunta.
            —Quero, como você sabia que eu gosto de Martini?
            —Eu tinha 50% de estar certo e estava, não?
            Eu o beijo.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

7. Eu Estou...


             —...Grávida.
            É claro que eu começo a rir compulsivamente atraindo os olhares curiosos dos outros clientes daquele bar sujo. Gargalho até perceber que ela não está rindo junto. Ela está séria e me olhando de forma reprovadora.
            —Tem certeza? — Eu pergunto já sentindo náuseas.
            —Absoluta. — Ela diz ainda mais séria.
            Não agüento e vomito no chão. Minha cabeça gira. As pessoas do bar me olham enojadas. Eu perco o ar, sinto minha pele queimar por dentro e por fora e começo a suar frio.
            Corro. Corro como se corresse pela minha vida, atropelando garçons e fregueses, derrubando cervejas, fritas e amendoins. Não ligo. Preciso de ar. Chego na porta do bar e corro mais um pouco, revivendo toda minha vida até hoje. Corro me vendo quando criança. Corro me vendo como adolescente. Corro me imaginando como adulto. Corro até cansar e finalmente parar pra vomitar mais.
            Caio no chão e choro sentado não muito longe do meu próprio vômito. Ela vem em minha direção de braços cruzados e lábios contraídos mostrando todo seu desprezo, vejo olheiras em seu rosto branco, seus cabelos loiros emaranhados e seus olhos verdes cheios de lágrimas e inchados. Como eu não reparei nisso quando ela entrou no bar?
            —Sabe, você não pode simplesmente correr das suas cagadas. — Ela diz me olhando de cima.
            Caralho, isso me deixa puto! Levanto-me e começo a rodeá-la, olhando-a fixamente, tentando desarmar aquela pose.
            —Que eu saiba essa não é uma cagada que se faz sozinho, porra! — Eu grito quando ela finalmente abaixa os braços. — Eu nem sei se essa criança é minha! Eu ainda tenho meu futuro inteiro pela frente! Acabei de passar na porra do vestibular!
            —Você sabe que eu nunca te traí! — Ela diz quase chorando.
            Pela primeira vez eu desejei que tivesse sido traído.
            —Eu também tenho meu futuro pela frente! Eu também não estou feliz com isso! Eu tenho chorado todas as noites desde que descobri sem parar! — Ela diz chorando pra valer agora.
            Nós dois nos olhamos por alguns segundos. Eu a envolvo em meus braços.
            —Tudo bem, tudo bem. Vamos resolver isso, ok? Vamos superar tudo. — Eu digo e a solto.
            Ela me olha e tenta sorrir antes de eu fincar a lâmina do meu canivete na barriga dela, correr e chamar uma ambulância.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

6. Você


             Você vai entrar com ela naquele banheiro sujo daquele bar sujo. Você vai ver que não tem espelhos lá, vai ter que ser na tampa da privada mesmo. Você a pega pela cintura e tenta beijá-la. Sem sucesso. Ela vai te dizer:
            —Não! Eu não posso te beijar!
            —Por que não? — Você vai perguntar.
            —Você é um conquistador e eu não quero ser jogada fora como as outras.
            Tudo o que ela disser vai ser verdade e isso vai doer em você, mas não o suficiente pra te fazer parar. Você vai perceber que nunca tinha visto a si mesmo como um conquistador, mas você é um conquistador. Sempre foi e sempre será assim. Uma ponta de orgulho vai te espetar com força.
            —Olha, a gente dá um tiro e depois eu te dou um beijo de 10 segundos. — Ela vai dizer enquanto você enfileira duas carreiras de coca na sua identidade falsa em cima da tampa da privada.
            —É justo. — Você vai dizer sem dar muita atenção.
            —Tudo bem, 15 segundos. — Ela vai retificar e mostrar ainda que quer mais do que 15, mas você vai continuar sem dar muita atenção.
            Você vai pegar sua nota de 20, enrolar cuidadosamente e aspirar sua fileira de uma vez, vai passar a nota pra ela e ela vai fazer o mesmo. Você vai chegar perto dela e beijá-la ao mesmo tempo em que descobre que ela não beija bem. Sua mão vai tentar compensar esse fracasso descendo até a bunda dela, mas ela vai tirar.
            — Quinze. — Ela vai dizer meio sem fôlego quando te empurrar pra longe.
            Você vai pensar que foram os quinze segundos mais longos da sua vida, arrependido. Vai sair do banheiro aos olhos suspeitos dos outros clientes do bar, mas todos sabem o que acontece naquele banheiro então você vai pensar: Foda-se.
            Você vai sentar à mesa e vai bebericar seu whisky e vai conversar com seus amigos e com quem mais quiser ficar entre vocês.
Você vai ver que ela se levantou de novo e foi até o banheiro de novo levando a bolsa dela. O banheiro não tem espelho, então se ela for passar pó no nariz, não vai ser um pó qualquer.
Você vai perceber que ela já está no banheiro a tempo demais, vai tirar a mão da cintura da desconhecida que você vai estar beijando na hora e vai atrás dela. Vai bater na porta do banheiro e ela não vai abri-la. Você finalmente resolve arrombar a porta e a chuta, já pedindo desculpas para o dono do bar que é seu amigo e xará.
Você vai vê-la jogada no chão.
            Você vai chegar perto dela e vai constatar que ela não respira mais, vai ver uma espuma branca saindo da boca dela. Seus amigos vão chamar a ambulância, mas você não quer que saibam que a coca era sua, você vai colocar um pouco do pó na ponta do seu cigarro, vai limpar suas digitais do frasco de pó com sua camisa e vai jogá-lo no chão ao lado dela.
            Um lençol vai ser colocado por cima do corpo dela enquanto os paramédicos a levam embora numa maca. Seu amigo vai perguntar:
            —Como você está?
            —Bem, ela beijava mal mesmo... — Você vai responder meio sem pensar. Meio.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

5. Terrivelmente Bom


O elevador pára. Viro-me para a porta e a vejo entrar. O ar vai embora. É sempre assim. Não consigo respirar direito quando ela se aproxima.
            —Oi. — Ela diz com um sorriso.
            —Olá. — Eu respondo tentando sorrir também. Sem sucesso.
            O ar vai embora aos poucos dos meus pulmões. Preciso engolir em seco. Mas não posso. Isso é sinal de tensão. Tenho que parecer relaxado. Engulo em seco. O elevador não chega nunca. Os segundos viram horas. Dias.
            A gente deve morar no mesmo prédio há mais de 10 anos. Ainda assim eu fico tenso ao encontrá-la no elevador. Ainda assim eu nem imagino qual seja o nome dela.
            Hoje. Hoje eu descubro. Eu preciso saber. Mas preciso tomar coragem antes. Respiro fundo. Abro a boca para falar.
            —Você toca numa banda, não toca? — Ela pergunta antes que eu possa reproduzir algum som. Merda.
            —Toco. — Eu respondo friamente. Não por antipatia. Mas por não conseguir pensar direito. As palavras simplesmente saem nessas horas. O ar ainda não preencheu meus pulmões.
            Tá. Vou tentar de novo. Respiro fundo. Olho para ela. Ela está sorrindo para mim. O sorriso dela me desarma. O sorriso dela congela minhas veias. Eu quase posso sentir meu coração parar por uma fração de segundo.
            É uma sensação péssima. Mas é muito bom.
            —Qual é o seu nome? — Eu pergunto me espantando com minha própria falta de sutileza. Eu praticamente vomito as palavras. O elevador pára. Não. Não agora. Eu. Preciso. Saber.
            Ela me olha e sorri. Olha para a porta e a empurra. Vira-se pra mim e diz. Ainda sorrindo:
            —Acho que essa resposta vai ficar pro próximo passeio.