Sorvo meu Jack sentado ao balcão quando uma mulher senta-se ao meu lado e pede um Campari. Interessante, eu penso e solto um sorriso audível sem querer. Ela se vira para mim.
—O que foi?
—Nada — eu digo — é que são poucas as pessoas que gostam de Campari.
—Nunca gostei de fazer parte da maioria. — Ela diz e eu sorrio de novo. — Qual é o seu nome?
—Prefiro não entrar nesses detalhes. Veio sozinha?
—Vim. Você deve se amar ou se odiar muito para se recusar a dizer o próprio nome.
Ela tem um leve sotaque sulista.
—Você é de Santa Catarina? — Eu pergunto.
—Sou. Vim de Blumenau para São Paulo há uns meses. Por que você se odeia?
—Por que você veio pra essa metrópole de submundos?
—Vim tentar a vida como cantora. Por que você se esquiva tanto?
Se alguém ouvisse essa conversa, acharia que somos crianças brincando de quem pergunta mais e responde menos. Se esse fosse o caso, eu estaria ganhando.
—Desistiu da hipótese de que eu me amo demais? — Eu provoco.
—Desisti. Se você se amasse, teria respondido na segunda vez em que eu perguntei e estaria se gabando de algum feito seu. — Ela para e me olha como se pedisse permissão para continuar. Permissão concedida. — Além disso, quem se ama não cheira coca.
—Como você...
—Suas pupilas estão dilatadas e tem um pouquinho aí na sua narina direita. — Eu passo as costas da mão e olho, não há nada. — Eu estava blefando. — Ela diz rindo e continua tomando seu Campari.
—Você é detetive?
—Não, me formei em psicologia ano passado.
—Bonita e psicóloga. Combinação perigosa. Eu estou sendo cobrado por essa conversa? — Eu digo e nós rimos.
—Estaria, se eu fosse advogada. Você é um homem muito interessante, anônimo. — Ela diz e morde o lábio inferior. — Mas ainda não disse o motivo de sua auto-depreciação.
Hora de abrir o jogo.
—Sou escritor. Tenho um ou outro best-seller, mas não vou citar nomes. Ganho uma boa grana com eles. Mas falta algo e eu não sei o quê.
—Então você usa álcool e drogas como remédio. — Ela conclui e eu confirmo com a cabeça. — Muito saudável da sua parte. — Nós rimos de novo.
—Eu tenho um remédio que é saudável. — Eu digo sorrindo e pego em sua mão.
Ela sorri de volta e a levo para casa.