terça-feira, 5 de outubro de 2010

23. Qual É O Seu Nome?


Sorvo meu Jack sentado ao balcão quando uma mulher senta-se ao meu lado e pede um Campari. Interessante, eu penso e solto um sorriso audível sem querer. Ela se vira para mim.
            —O que foi?
            —Nada — eu digo — é que são poucas as pessoas que gostam de Campari.
            —Nunca gostei de fazer parte da maioria. — Ela diz e eu sorrio de novo. — Qual é o seu nome?
            —Prefiro não entrar nesses detalhes. Veio sozinha?
            —Vim. Você deve se amar ou se odiar muito para se recusar a dizer o próprio nome.
            Ela tem um leve sotaque sulista.
            —Você é de Santa Catarina? — Eu pergunto.
            —Sou. Vim de Blumenau para São Paulo há uns meses. Por que você se odeia?
            —Por que você veio pra essa metrópole de submundos?
            —Vim tentar a vida como cantora. Por que você se esquiva tanto?
            Se alguém ouvisse essa conversa, acharia que somos crianças brincando de quem pergunta mais e responde menos. Se esse fosse o caso, eu estaria ganhando.
            —Desistiu da hipótese de que eu me amo demais? — Eu provoco.
            —Desisti. Se você se amasse, teria respondido na segunda vez em que eu perguntei e estaria se gabando de algum feito seu. — Ela para e me olha como se pedisse permissão para continuar. Permissão concedida. — Além disso, quem se ama não cheira coca.
            —Como você...
            —Suas pupilas estão dilatadas e tem um pouquinho aí na sua narina direita. — Eu passo as costas da mão e olho, não há nada. — Eu estava blefando. — Ela diz rindo e continua tomando seu Campari.
            —Você é detetive?
            —Não, me formei em psicologia ano passado.
            —Bonita e psicóloga. Combinação perigosa. Eu estou sendo cobrado por essa conversa? — Eu digo e nós rimos.
            —Estaria, se eu fosse advogada. Você é um homem muito interessante, anônimo. — Ela diz e morde o lábio inferior. — Mas ainda não disse o motivo de sua auto-depreciação.
            Hora de abrir o jogo.
            —Sou escritor. Tenho um ou outro best-seller, mas não vou citar nomes. Ganho uma boa grana com eles. Mas falta algo e eu não sei o quê.
            —Então você usa álcool e drogas como remédio. — Ela conclui e eu confirmo com a cabeça. — Muito saudável da sua parte. — Nós rimos de novo.
            —Eu tenho um remédio que é saudável. — Eu digo sorrindo e pego em sua mão.
            Ela sorri de volta e a levo para casa.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

22. Missão Cumprida


             Entro no bar do hotel e lá está ela. Glamurosa em seu vestido preto, sentada ao balcão, bebericando seu Dry Martini. A neve cai lá fora no gélido inverno de Paris.
            Paris, je t’aime!
            Ela me olha e vira o rosto com desprezo aparente (ou seria apreensão?). Não há nada que eu possa fazer agora a não ser sentar-me ao piano e tocar Violet Hill do Coldplay. As poucas pessoas presentes aplaudiram educadamente e me levanto. Missão cumprida.
            Vou até o bar e peço uma taça de vinho tinto. Viro-me para ela e digo:
            —Dizem que o vinho é a bebida do homem apaixonado.
            —Dizem que homens apaixonados tendem a ser muito estúpidos. Tem fogo?
            Pego meu Zippo, acendo dois cigarros e dou um para ela.
            —Como me encontrou aqui? — Ela pergunta depois de uma longa primeira tragada no cigarro, como as primeiras tragadas devem ser, e um gole de Martini.
            —Confesso que não foi fácil, você é uma mulher bem esguia. — Dou um gole no meu vinho e ela sorri com a afirmação. — Mas você usou seu cartão de crédito naquela simpática livraria na Champs-Élysées. Você comprou aquela primeira edição francesa d’O Retrato de Dorian Gray e tomou um café. — Ela assente com a cabeça. — Grande erro.
            —Fiquei sem euros. — Ela diz num tom culpado.
            —Eu me referia ao café, é horrível para os padrões parisienses, mas usar o cartão também não foi boa idéia.
            Ela ri. O barman me cutuca e aponta para o piano dizendo “Allez, allez!”. Só não o mando à merda por não saber dizer isso em francês.
            Levanto-me, volto para o piano e toco uma versão em jazz de Breakfast In America do Supertramp e Your Song do Elton John sem tirar os olhos dela. Volto para o balcão e peço uma dose de Jack Daniel’s
            Ela me pega pelo braço e me puxa para o quarto dela, eu fico sem reação.
            —Quero mais uma noite com você.
            Não vejo mal algum nisso.
            Entramos no quarto e vejo o casaco de pele que eu havia lhe dado há alguns anos nessa mesma cidade, nessa mesma época do ano. O Retrato de Dorian Gray descansa no criado-mudo, o marcador de páginas indica que ela já passou da metade do livro.
            Ela me empurra para a cama e desamarra a alça do vestido, deixando-o cair no chão, exibindo suas formas curvilíneas e impressionantemente bem desenhadas.
            —Céus! Você é perfeita! — Eu digo boquiaberto, esquecendo como era antigamente.
            —Não diga isso, mon chere, a verdadeira perfeição morre em pouco tempo.
            Ela cai sobre mim.
            Passam-se as horas. Ela dorme como um anjo deve dormir, linda e profundamente.
            Pego minha Magnum no bolso do paletó, encaixo o silenciador nela, coloco um travesseiro em cima do peito dela e atiro através dele.
            Ela não produz um som, nem um movimento além do reflexo do tiro. Pego meu celular e ligo para o cliente enquanto uma lágrima escorre no meu rosto.
            —Missão cumprida.

Caro Presidente


Caro Presidente Lula,
           
Gostaria de agradecer por todos os estragos que o senhor fez no Brasil. Obrigado por mostrar que qualquer um pode ser eleito, inclusive um metalúrgico semi-analfabeto ou um estilista cleptomaníaco.
Obrigado também por apoiar a candidatura de um pagodeiro que pratica, assumidamente, violência contra a mulher.
Em nome dos políticos, agradeço também por encobrir escândalos de dimensões nacionais como o mensalão (e outros menos lucrativos).
Aprecio sua capacidade de conciliar seu governo com churrascos e viagens. Isso sem contar a sua campanha pró-Dilma ainda em 2009 antes da hora, que lhe rendeu algumas dezenas de multas do Tribunal Superior Eleitoral.
Quero deixar claro que apoio totalmente a sua compra de votos em forma de assistencialismo que é o Bolsa Família.
Sua política externa também meu agradou muito, em especial a sua amizade com ditadores populistas como os irmãos Castro e Hugo Chávez e outros nem tão populistas como o do Irá, de nome impronunciável.
Espero que você tenha sucesso controlando seu fantoche Rousseff e se mantenha no poder por muitos e muitos anos, mantendo seu legado.
Obrigado por dar continuidade ao meu trabalho.
Atenciosamente,
Josef Stalin

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

21. O Cortês


Era um trabalho simples e limpo, o cliente me liga, marca um ponto, nos encontramos, eu vendo e vou embora. Sem armas, sem favela, tudo baseado na cordialidade entre vendedor e comprador.
            O chefe dizia que havia uma lista seleta de fregueses e que eu não deveria incluir mais nenhum nas vendas. Eu bem que tentei por um tempo, mas algumas pessoas não sabem o que “não” significa
            —Por favor, eu preciso de um fornecedor que seja confiável. — Ele me dizia todas as terças enquanto eu aguardava meu cliente no parque.
            —E eu com isso?
            —Dizem que você é um vendedor que eu posso confiar.
            —Não sou vendedor de nada, você deve ter me confundido com outra pessoa.
            —Por que você insiste nesse seu joguinho? Deixe-me ser seu comprador e eu te deixo em paz. — Devo admitir que eu me divertia muito com o sofrimento misturado com irritação e desespero dele.
            —Você não conhece meu chefe. — Eu dizia por fim antes de avistar meu cliente, correr até ele e colocar a mercadoria em seu bolso ao mesmo tempo em que pego o dinheiro. Era tudo extremamente discreto. Esse cliente comentou uma vez que eu tinha mãos tão leves que eu poderia seguir carreira como batedor de carteiras. Talvez eu ainda siga.
            Depois de alguns dias, falei com o chefe sobre o chato do parque.
            —Nem pensar! — Ele disse categoricamente. — Não sabemos a precedência desse sujeito, ele pode comprometer todo o empreendimento. Quem falou de você pra ele afinal?
            —Não tenho idéia, ele não disse.
            —Nem pensar! — Ele repetiu. — Os clientes devem passar pela minha aprovação antes de chegar a qualquer vendedor meu.
            Mas a minha conversa com o chefe não fez o chato desistir. Ele continuou indo ao parque todas as semanas. Um mês e meio se passou antes de eu finalmente explodir.
            —Chega! Porra! Não é possível que você precise tanto de erva! Toma essa merda! — Abri minha mochila e joguei dois pacotinhos na cara dele. — Agora some da minha frente!
            Mas ele não sumiu. Ao contrário, ficou parado e sorriu.
            —Não se mova — Ele disse e puxou uma arma do cós das calças. — Você está preso.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Céu-Inferno Com Escala - Parte Final


O mundo voltou a ter cor pra mim, mas eu ainda estava sem a Fernanda e meu coração começou a doer ainda mais quando o Renato me pediu para voltarmos com as aulas. Eu relutei, mas eu gostava do guri, era como meu irmão caçula. Ele me contou que a irmã estava morando com o Carlos lá na casa dela, mas eles nunca passavam o dia lá. As semanas corriam e eu nunca tinha encontrado com a Fê ou com o Carlos lá na casa deles. Até um dia.
            Quando eu cheguei ao casarão, notei que a porta estava aberta e a empregada não estava e entrei. O silêncio fazia o ouvido doer, até que ouvi gritos, era o Renato. Corri até o quarto dele e a cena que vi foi monstruosa. Havia um homem, de uns 30 anos, cabeça raspada olhos castanhos só de cueca tentando arrancar as roupas de Renato.
            — Me solta, Carlos! — gritava a criança
            Os dois pararam e me olharam por um segundo, agora era o pedófilo que estava com medo.
            — Seu filho da puta! — gritei e avancei para perto dele.
            — Não é o que você está pensando. — respondeu o maldito.
            — Ele tem nove anos! — apontei para Renato que estava chorando no canto do quarto.
            Primeiro o escroto rouba a mulher que eu amo, depois eu descubro que ele é um pedófilo e estava atacando o irmão da mulher que eu amo. Não suportei mais e derrubei-o no chão com um soco, subi em cima dele e esmurrei a cara dele. Até que a Fernanda entrou correndo no quarto, ela estava linda, mas com o semblante triste. Era a primeira vez que eu a via em meses.
            Contei o que aconteceu, depois de deixar o escroto desacordado e amarrado, e concordamos em chamar a polícia.
            — Ele sempre me pareceu tão doce com o Renato. — ela me disse ao fechar a porta.
            — É, as aparências enganam. —respondi com certa rispidez, eu tava puto por ter sido trocado por um animal como aquele.
            — Ouvi dizer que você tá limpo. — ela comentou mudando de assunto.
            — To, mas parece que você não. — o braço esquerdo dela estava cheio de furos de agulhas.
            — O Carlos não era uma boa influência.
            Passado um tempo de silêncio constrangedor, ela começou a chorar, fiquei atônito até que ela disse:
            — Dani, eu tenho AIDS!
            Naquele momento eu devo ter feito uma cara de terror, pois ela logo emendou:
            — Mas fica tranqüilo, foi por causa do Carlo, ele me passou pelas seringas.
            — Ficar tranqüilo? — explodi — Como posso ficar tranqüilo sabendo que aquele filho da puta passou AIDS pra mulher que eu amo?
            — Você ainda me ama?
            — Nunca deixei de te amar.
            Foi foda, a única coisa pior que sofrer é ver quem você ama sofrendo, nossas vidas nunca mais foram as mesmas, ela tinha um coquetel pra tomar e tudo ficou deprimente, não sabíamos quanto tempo ela ainda tinha, passamos dois anos nesse sofrimento, mas eu nunca saí do lado dela. Um dia ela dormiu, já estava no hospital, dormiu e não acordou nunca mais, foi o dia mais difícil da minha vida.
            Mas eu nunca me dediquei tanto a alguém como fiz com ela, até seu último suspiro. Seus longos cabelos loiros e seus reluzentes olhos azuis me encantaram desde o primeiro instante.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Céu-Inferno Com Escala - Parte 2


Esse mundo de fama e influência vem recheado de sexo e drogas e foi nesse universo que conheci o Joca, um fornecedor de material ilícito. Mas ele não era um traficantezinho de morro, a sede dele era numa cobertura no Morumbi, ele era rico, rico pra caralho. E eu virei um dos maiores compradores dele.
            — Grande Dani! — ele me saudou.
            — Fala, bicho! O que tu tem de novo? — perguntei.
            — Um pouco de talco, puríssimo, e algumas vacinas.
            — Ta esperando o que pra empacotar? — eu disse tirando dinheiro vivo do bolso.
            — Ta na mão. E como vai a patroa? Faz tempo que ela não cola por aqui.
            — Ta lá em casa esperando a mercadoria.
            A Fernanda entrou nesse mundo comigo, não lembro como ela começou, só lembro que foi por vontade própria, mas eu menti quando eu disse que ela tava esperando as drogas, na verdade ela esperava um bebê, nosso filho, e já estava no sexto mês. Ela se comportou direitinho, não fumou, não cheirou, não se picou, uma mãe exemplar. Eu, por outro lado, estava me fodendo cada vez mais, me sentia um Pete Doherty, mas o público gostava desse estilo “roqueiro drogado”. Enquanto eu me afundava na lama a minha carreira deslanchava, eu já era uma das figuras mais famosas do país. É como diz o ditado, dinheiro não trás felicidade, mas corta o caminho.
            Eu tava nervoso com a expectativa da paternidade, mas feliz, mesmo me matando aos poucos. Os viciados nunca sabem o que fazem e comigo não foi diferente, eu não percebi o meu declínio, não percebi que o que antes era o Paraíso começou a virar o Purgatório.
            O telefone tocou:
            — Dani, a bolsa estourou! — era Fernanda, ela estava aos prantos.
            — Caralho! Ainda falta um mês! Relaxa, pega um táxi que eu te encontro no hospital. — Eu estava tremendo, cheirei uma carreira de fui. Esperei umas duas horas até o médico vir me falar o que aconteceu.
            — Fizemos tudo que pudemos, mas não conseguimos salvar o bebê. — Ele disse. Soquei a cara dele e fui correndo até o quarto, deixando o médico caído no chão.
            Fernanda estava dormindo com o rosto cheio de lágrimas e os olhos vermelhos, eu chorava também. A morte do meu filho marcou a minha passagem do Purgatório pro Inferno, eu estava começando a me livrar do vício, mas acabei voltando, e voltei com tudo. Pra piorar tudo a Fernanda me largou, na verdade ela tinha me pedido um tempo, mas qual é a diferença?
            Eu dividia meu tempo livre compondo, me drogando e bebendo, invariavelmente jogado num canto qualquer em casa iluminado pela lua. Não era a atividade mais divertida, mas quebrava um galho pra afogar as mágoas.
Descobri um tempo depois, através do Joca, que a Fê estava com outro, um cliente dele chamado Carlos. Só Deus sabe o quão puto eu fiquei, quando eu achei que já tinha chegado ao fundo do abismo vi que dava pra eu me sujar mais, pelo menos até ter uma overdose. Poucas pessoas conseguem sair vivas de uma overdose de heroína, eu fui uma delas.
Eu estava com o Pedro, o único amigo de verdade que me restou durante o meu declínio. Ele era tão doidão quanto eu, mas me acompanhou do Paraíso até o Inferno, ele era o baterista da minha banda, foi o Pedro que me levou pro hospital.
            — Não vou te passar sermão, Daniel — Me disse o médico quando eu acordei. — Só vou pedir pra você parar por aqui antes que não haja mais salvação. Você ainda tem esperança.
            Eu não prestei atenção em nada do que ele falou até a palavra “parar”, eu só conseguia pensar na Fernanda, mas pensei no meu risco de vida.
            — Falar é fácil. — Respondi depois de alguns segundos.
            — Você está certo, é difícil largar as drogas, por isso eu vou te recomendar uma clínica. Já passei o endereço para seu amigo.
            — Reabilitação? Nem fodendo! — Eu não estava com o menor saco de encarar uma reabilitação.
            — Vamos, Dani, pense bem, pode ser nossa luz. Eu vou com você. — Disse o Pedro.
            Aceitei o desafio, foram os três meses mais barra pesada pelos quais eu já passei. Comendo uma comida escrota com enfermeiros me rodeando 24 horas por dia com remédios e missas duas vezes por semana, alguns saem de lá evangélicos. Mas melhor do que eu esperava, a cada semana que passava o poço parecia mais raso e mais fácil de escalar.

domingo, 13 de junho de 2010

Céu-Inferno Com Escala - Parte 1

Nunca me dediquei tanto a alguém como fiz com ela, até seu último suspiro. Seus longos cabelos loiros e seus reluzentes olhos azuis me encantaram desde o primeiro instante.
            Já faz sete anos que saí de Porto Alegre para seguir minha carreira de músico em São Paulo. Deixei minha vida pra trás e comecei tudo de novo, minha família ficou puta na época, mas era eu ou eles. Tive que me foder muito aqui para começar a me dar bem, são várias histórias que não valem a pena serem contadas agora.
            O importante é que depois de seis meses comendo merda eu consegui um emprego de professor e uma banda, foi aí que as coisas começaram a ficar interessantes. Consegui comprar um apê decente e tinha cada vez mais alunos pagando minhas contas, eu vivia com relativo conforto. Foi nessa época de vacas gordas que meu celular tocou foi o começo do fim. Ou o fim do começo, tanto faz.
            — Daniel Chaplin falando. — Atendi.
            — O professor de guitarra? — Ela perguntou, sua voz era suave como um coral de anjos. — Meu nome é Fernanda e eu tenho um irmãozinho que quer aprender a tocar. Ouvi dizer que você é o melhor. — Senti um arrepio.
            — Ouviu, é? Bom, podemos começar no próximo sábado, está bom pra vocês?
            — Sábado está ótimo!
            Nesse momento, meu coração já estava a mil com a expectativa de encontrar a Fernanda, ver como ela era. Passei as duas noites seguidas em claro imaginando o rosto e o corpo da Fernanda.
            Sábado finalmente chegou e eu fui até a casa do garoto com um puta nervosismo. Eles moravam numa casa gigante na zona oeste da cidade.
            Quem me atendeu foi a empregada, ela me conduziu até uma sala de visita do tamanho do meu apartamento inteiro. Sentei no sofá e esperei o guri, ele chegou logo em seguida, era pequeno, loiro de olhos azuis e devia ter um 9 anos, imaginei se a irmã seria parecida.
            — Você deve ser o Daniel. — Ele disse entrando na sala — Pode vir, a guitarra tá lá no meu quarto, eu sou o Renato.
            Segui-o pela escadaria de mármore e pelos longos corredores, vez ou outra eu dava uma espiada nos quartos, a casa era uma mistura de clássico e moderno. Impressionante.
            — Bela casa. — Comentei.
            — Valeu, é tudo da minha irmã, ela ficou com tudo depois que nossos pais morreram.
            — Sinto muito. — lamentei.
            — Não sinta, eu nem me lembro deles, já faz muito tempo.
            Passado o momento mela-cueca nós começamos a aula com toda aquela teoria toda de primeira aula, mas eu me divertia, o guri era engraçado. Estávamos no fim quando uma deusa em forma humana com o corpo mais lindo e pele mais macia de todas entrou no quarto. Era ela.
            — Oi, Fê! Olha o que eu já sei tocar! — Disse Renato tocando um riff simples, mas com perfeição.
            — Muito legal! Muito legal mesmo! — Ela respondeu com a voz suave que eu ouvira no telefone. — Agora eu preciso dar uma palavrinha com o Daniel.
            Levantei de imediato deixando a guitarra cair no chão e arrancando risadas dos irmãos. O sorriso da Fernanda era extraordinário! Fomos até a enorme e dourada sala de estar da casa e ela começou a falar algo sobre pagamento, mas eu simplesmente não conseguia parar de pensar na boca dela. Ela percebeu, parou de falar e começou a me encarar também, ficamos nesse silêncio durante alguns segundos, fomos nos aproximando, teve todo aquele clichê de cinema, ela mordeu o lábio e nós nos beijamos. Foi tão maravilhoso e ao mesmo tempo tão lugar-comum.
            Pode-se dizer que esse foi o começo da fase Paraíso da minha vida, eu trepava com uma milionária que me amava tanto quanto eu a amava e recebi uma proposta pra gravar um CD, dinheiro abre muitas portas. Tudo foi rápido demais, ascender no ramo musical como eu fiz é uma tarefa árdua, mas como eu disse, o dinheiro abre portas.