quarta-feira, 19 de maio de 2010

19. Mentira Sincera


—Bicho, eles estavam certos! — Eu digo.
            —Eles quem? — Ele pergunta com sorriso como se quisesse dizer que eu sou louco.
            —Jack Kerouac, Allan Ginsberg, Charles Bukowski, Irvine Welsh… Todos eles, cara!
            —Mas eles estão certos em relação a quê?
            Cheiro mais uma linha de coca que está na mesa de vidro.
            —Porra, velho, todos eles escreveram sobre como o mundo, a sociedade e as pessoas estão fodidas. Dizem que eu estou no fundo do poço, mas quando olho em volta, percebo que todos estão infinitamente mais fodidos do que eu. — Paro e trago meu cigarro lentamente.
            —Prossiga.
            —Cara, eles mostram as pessoas como elas realmente são, mostram a natureza humana nua, sem as máscaras de hipocrisia.
            —Você tem razão! — Ele grita entusiasmado, percebendo do que estou falando. — Nos livros desses caras, os personagens se drogam, brigam, fazem sexo sem proteção, bebem, fumam, traem e roubam!
            —A marginalidade é a mentira mais sincera que tem.
            —E nós fazemos parte desse mundo! Eu e você! — Ele diz se levantando do sofá de couro preto.
            Me sento e trago mais do meu cigarro.
            —Somos os heróis dos maiores autores que já passaram pela terra, não usamos máscaras.
            —Podemos tomar conta do mundo, bicho! — Ele diz acabando com a última linha de coca na mesa. — Por que demoramos tanto tempo para perceber isso?
            —Não tenho idéia. — Eu respondo. Levanto e pego uma garrafa de Jack Daniel’s na prateleira de bebidas.
            —Então vamos sair daqui! — Ele grita depois de tomar o copo de whiskey com um gole.
            —Sair e fazer o quê? — Sorvo um gole do whiskey e me sento para admirar o lustre de cristal que ilumina essa sala luxuosa.
            —Vamos enlouquecer, porra! — Ele joga o copo contra a parede, destruindo-o em mil pedaços minúsculos, mas eu não consigo me importar. — Vamos dar a cara pro mundo bater!
            —Não sei, cara... isso me parece maluco demais. Me parece o tipo de coisa da qual não sairemos vivos.
            —Melhor morrer assim do que viver na incerteza por não ter tentado.
            Viro o resto do whiskey e também jogo o copo contra a parede. Me levanto.
            —OK! Vamos! — Eu digo mais decidido do que nunca.
            Abro a porta e saio primeiro, um enfermeiro me vê.
            —Aonde você vai? — Ele pergunta com um sorriso no olhar.
            —Nós vamos tomar o mundo! — Eu digo sorrindo.
            —Não, não vai. — Ele diz e me empurra de volta para dentro da minha cela acolchoada com cheiro de urina. Estou sozinho.

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