segunda-feira, 21 de junho de 2010

Céu-Inferno Com Escala - Parte 2


Esse mundo de fama e influência vem recheado de sexo e drogas e foi nesse universo que conheci o Joca, um fornecedor de material ilícito. Mas ele não era um traficantezinho de morro, a sede dele era numa cobertura no Morumbi, ele era rico, rico pra caralho. E eu virei um dos maiores compradores dele.
            — Grande Dani! — ele me saudou.
            — Fala, bicho! O que tu tem de novo? — perguntei.
            — Um pouco de talco, puríssimo, e algumas vacinas.
            — Ta esperando o que pra empacotar? — eu disse tirando dinheiro vivo do bolso.
            — Ta na mão. E como vai a patroa? Faz tempo que ela não cola por aqui.
            — Ta lá em casa esperando a mercadoria.
            A Fernanda entrou nesse mundo comigo, não lembro como ela começou, só lembro que foi por vontade própria, mas eu menti quando eu disse que ela tava esperando as drogas, na verdade ela esperava um bebê, nosso filho, e já estava no sexto mês. Ela se comportou direitinho, não fumou, não cheirou, não se picou, uma mãe exemplar. Eu, por outro lado, estava me fodendo cada vez mais, me sentia um Pete Doherty, mas o público gostava desse estilo “roqueiro drogado”. Enquanto eu me afundava na lama a minha carreira deslanchava, eu já era uma das figuras mais famosas do país. É como diz o ditado, dinheiro não trás felicidade, mas corta o caminho.
            Eu tava nervoso com a expectativa da paternidade, mas feliz, mesmo me matando aos poucos. Os viciados nunca sabem o que fazem e comigo não foi diferente, eu não percebi o meu declínio, não percebi que o que antes era o Paraíso começou a virar o Purgatório.
            O telefone tocou:
            — Dani, a bolsa estourou! — era Fernanda, ela estava aos prantos.
            — Caralho! Ainda falta um mês! Relaxa, pega um táxi que eu te encontro no hospital. — Eu estava tremendo, cheirei uma carreira de fui. Esperei umas duas horas até o médico vir me falar o que aconteceu.
            — Fizemos tudo que pudemos, mas não conseguimos salvar o bebê. — Ele disse. Soquei a cara dele e fui correndo até o quarto, deixando o médico caído no chão.
            Fernanda estava dormindo com o rosto cheio de lágrimas e os olhos vermelhos, eu chorava também. A morte do meu filho marcou a minha passagem do Purgatório pro Inferno, eu estava começando a me livrar do vício, mas acabei voltando, e voltei com tudo. Pra piorar tudo a Fernanda me largou, na verdade ela tinha me pedido um tempo, mas qual é a diferença?
            Eu dividia meu tempo livre compondo, me drogando e bebendo, invariavelmente jogado num canto qualquer em casa iluminado pela lua. Não era a atividade mais divertida, mas quebrava um galho pra afogar as mágoas.
Descobri um tempo depois, através do Joca, que a Fê estava com outro, um cliente dele chamado Carlos. Só Deus sabe o quão puto eu fiquei, quando eu achei que já tinha chegado ao fundo do abismo vi que dava pra eu me sujar mais, pelo menos até ter uma overdose. Poucas pessoas conseguem sair vivas de uma overdose de heroína, eu fui uma delas.
Eu estava com o Pedro, o único amigo de verdade que me restou durante o meu declínio. Ele era tão doidão quanto eu, mas me acompanhou do Paraíso até o Inferno, ele era o baterista da minha banda, foi o Pedro que me levou pro hospital.
            — Não vou te passar sermão, Daniel — Me disse o médico quando eu acordei. — Só vou pedir pra você parar por aqui antes que não haja mais salvação. Você ainda tem esperança.
            Eu não prestei atenção em nada do que ele falou até a palavra “parar”, eu só conseguia pensar na Fernanda, mas pensei no meu risco de vida.
            — Falar é fácil. — Respondi depois de alguns segundos.
            — Você está certo, é difícil largar as drogas, por isso eu vou te recomendar uma clínica. Já passei o endereço para seu amigo.
            — Reabilitação? Nem fodendo! — Eu não estava com o menor saco de encarar uma reabilitação.
            — Vamos, Dani, pense bem, pode ser nossa luz. Eu vou com você. — Disse o Pedro.
            Aceitei o desafio, foram os três meses mais barra pesada pelos quais eu já passei. Comendo uma comida escrota com enfermeiros me rodeando 24 horas por dia com remédios e missas duas vezes por semana, alguns saem de lá evangélicos. Mas melhor do que eu esperava, a cada semana que passava o poço parecia mais raso e mais fácil de escalar.

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