terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

6. Você


             Você vai entrar com ela naquele banheiro sujo daquele bar sujo. Você vai ver que não tem espelhos lá, vai ter que ser na tampa da privada mesmo. Você a pega pela cintura e tenta beijá-la. Sem sucesso. Ela vai te dizer:
            —Não! Eu não posso te beijar!
            —Por que não? — Você vai perguntar.
            —Você é um conquistador e eu não quero ser jogada fora como as outras.
            Tudo o que ela disser vai ser verdade e isso vai doer em você, mas não o suficiente pra te fazer parar. Você vai perceber que nunca tinha visto a si mesmo como um conquistador, mas você é um conquistador. Sempre foi e sempre será assim. Uma ponta de orgulho vai te espetar com força.
            —Olha, a gente dá um tiro e depois eu te dou um beijo de 10 segundos. — Ela vai dizer enquanto você enfileira duas carreiras de coca na sua identidade falsa em cima da tampa da privada.
            —É justo. — Você vai dizer sem dar muita atenção.
            —Tudo bem, 15 segundos. — Ela vai retificar e mostrar ainda que quer mais do que 15, mas você vai continuar sem dar muita atenção.
            Você vai pegar sua nota de 20, enrolar cuidadosamente e aspirar sua fileira de uma vez, vai passar a nota pra ela e ela vai fazer o mesmo. Você vai chegar perto dela e beijá-la ao mesmo tempo em que descobre que ela não beija bem. Sua mão vai tentar compensar esse fracasso descendo até a bunda dela, mas ela vai tirar.
            — Quinze. — Ela vai dizer meio sem fôlego quando te empurrar pra longe.
            Você vai pensar que foram os quinze segundos mais longos da sua vida, arrependido. Vai sair do banheiro aos olhos suspeitos dos outros clientes do bar, mas todos sabem o que acontece naquele banheiro então você vai pensar: Foda-se.
            Você vai sentar à mesa e vai bebericar seu whisky e vai conversar com seus amigos e com quem mais quiser ficar entre vocês.
Você vai ver que ela se levantou de novo e foi até o banheiro de novo levando a bolsa dela. O banheiro não tem espelho, então se ela for passar pó no nariz, não vai ser um pó qualquer.
Você vai perceber que ela já está no banheiro a tempo demais, vai tirar a mão da cintura da desconhecida que você vai estar beijando na hora e vai atrás dela. Vai bater na porta do banheiro e ela não vai abri-la. Você finalmente resolve arrombar a porta e a chuta, já pedindo desculpas para o dono do bar que é seu amigo e xará.
Você vai vê-la jogada no chão.
            Você vai chegar perto dela e vai constatar que ela não respira mais, vai ver uma espuma branca saindo da boca dela. Seus amigos vão chamar a ambulância, mas você não quer que saibam que a coca era sua, você vai colocar um pouco do pó na ponta do seu cigarro, vai limpar suas digitais do frasco de pó com sua camisa e vai jogá-lo no chão ao lado dela.
            Um lençol vai ser colocado por cima do corpo dela enquanto os paramédicos a levam embora numa maca. Seu amigo vai perguntar:
            —Como você está?
            —Bem, ela beijava mal mesmo... — Você vai responder meio sem pensar. Meio.

3 comentários:

Anônimo disse...

De onde você tira inspiração para escrever seus contos? São muito bons.

Raphaël disse...

Primeiro de tudo, eu expiro, aí eu inspiro de novo.

Anônimo disse...

a da mulher gravida 'e um lixo, mas os outros sao muito bons