quinta-feira, 1 de abril de 2010

13. Dia de Noite


A noite quente queima meu corpo como um fogo distante afastando meu sono e me fazendo pensar que Morfeu nunca pareceu tão longe. Acendo um cigarro e olho para a cidade que também parece insone, mas alheia ao meu sofrimento.
Um escritor que não escreve; um poeta sem sua musa. Tento enxergar dentro das janelas ainda acesas, mas tudo que vejo são luzes embaralhadas em meio ao inferno em que vivo. Lá se foi a lucidez.
Embriagado pela dor, acompanho o tango da fumaça do cigarro indo em direção ao infinito. Depois passo a seguir as cinzas caindo, voando e rindo da minha cara.
Os carros passam aos poucos, mas sem parar. Imagino que seus motoristas e acompanhantes estejam se divertindo. Bom para eles.
Por favor, Morfeu, por favor, me leva embora. Me deixe dormir, me deixe sonhar.
Me pergunto se os outros insones da noite paulistana estão sentindo o mesmo que eu. Provavelmente não.
Onde foi que tudo deu errado? Onde foi que eu deixei cair a alegria?
O cigarro não está nem na metade e parece que já se passaram anos desde que eu o acendi.
Sento numa cadeira e tiro meu velho canivete do bolso. Admiro os reflexos das luzes sem sono na lâmina por um instante. Faço a ponta da faca percorrer vagarosamente o meu peito nu. Por alguns segundos, ou assim parecem, penso em fincá-la de uma vez no meu coração e a pressiono com um pouco mais de força na região.
Não, não vou acabar assim como um fracassado. Pelo menos não agora.
Uma sirene de ambulância começa e quebra meu silêncio de depressão. Poderia ser eu dentro dela.
Apago o cigarro e me livro da bituca com certa repulsa.
O calor vai se intensificando e uma rajada de vento escaldante é jogada em cima de mim como quem diz: Você não é bem-vindo, vá embora.
Acredite, eu já tentei ir embora, vento.
O deus do sono me deu o bolo hoje. Disse que ia pegar um drink para mim, mas desapareceu. Deve ter encontrado outro par para dançar.
O rádio toca um rock dos anos 70, a década onde tudo era mais simples e nada era levado tão a sério. Sexo, drogas e rock ‘n’ roll.
Volto para meu quarto e me deito, mas é inútil. Não consigo parar de me revirar na cama. Tudo culpa dela, ela é quem roubou meu sono ao me fazer pensar nela constantemente.
Olho pela janela e lá está o clarão de um novo dia.
            A gente se vê depois, Morfeu.

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